Localiza-se nas Astúrias, em Espanha, a uma centena de quilómetros de Oviedo. As povoações desse parque natural têm por nome Pola de Somiedo, Valle de Lago, Saliencia, e outros ainda que nos prometem fortes momentos de aventura. Mas para entrar nesse mundo encantado de natureza, protegido desde 1988 por decisão do homem, é preciso ziguezaguear por uma estrada em cotovelo que serpenteia entre encostas de granito. Depois de transpor essas curvas acanhadas, descidas vertiginosas e túneis rasgando a rocha, chega-se a um lugarejo, um cantinho de paraíso, onde se iniciam as caminhadas para outras altitudes. Uma ribeira de águas claras corre mansamente, um sol húmido raia por entre véus de nuvens brancas e um ligeiro frémito estremece no verde dos campos, no amarelo das flores, tornando o local um porto de paz. Nas alturas, erguem-se montanhas majestosas onde dentes de pedra rasgam dramaticamente o céu, esmagando-nos pela sua imponência.
A aldeia de Morteras, com os seus telhados de giesta, fica um pouco mais acima. Parece a aldeia do Astérix e, a todo o momento, acreditamos que vai rebentar mais uma briga gaulesa. Mas não. O desenho é outro. É o do chilrear dos pássaros, do silvar do vento, do céu plúmbeo, dos chocalhos dos bezerros que ecoam como sinos de catedrais por entre ogivas de granito. E também é o desenho das pastagens de alta montanha onde a vaca asturiana é livre. Livre dessa liberdade dos grandes espaços, onde a vista caminha tranquilamente para depois esbarrar nas profundezas da pedra que se despenha em falésias de rocha cinzenta, caindo a pique sobre a imensidão dos prados verdes. A vaca asturiana é livre e rainha, senhora de uma terra onde basta estender a mão para tocar o céu e parar o tempo, o ritmo da vida, e demorarmo-nos na contemplação da paisagem com os seus cheiros de mil cores. É ela a grande guardiã das lendas antigas. Lendas que falam de Pelágio, que jurou nunca mais comer à mesa enquanto não expulsasse todos os mouros das Astúrias. E são essas marcas do grande guerreiro visigodo que encontramos à medida que progredimos ao longo da antiga calçada romana.
Na alta montanha, junto a um lago de águas cristalinas, só os rebecos selvagens, saltitando de pedra em pedra, mandam. Os passos do homem trepam a custo. Os músculos esticam e distendem como a corda de um arco flexível. A respiração torna-se ofegante e cada passo é uma nova vitória. Em compensação, a paisagem é deslumbrante de grandiosidade, aterradora na sua majestade desumana. Precipícios, falésias abruptas, gargantas rasgadas pelos deuses. Toda a paisagem é sensorial. Um prado parece um tapete de veludo macio. As cristas desenham torreões e ameias no céu pintado por nuvens cinzentas. Vacas com ar maternal pastam tranquilamente, protegendo as suas crias, porque no território dos lobos e do urso-pardo, só entra quem eles deixam.
Em compensação, a natureza sabe bem como recompensar o esforço dos caminheiros. Na manhã húmida, pérolas de orvalho pingam por entre ramagens. Quando o sol emerge, crescem gencianas e violetas. E a chuva volta sempre. Mansa. Prateada. O povo já está habituado a ela. Calça as socas de madeira em forma de focinho de porco. Abrem os guarda-chuvas, abrigam-se nos cafés e esperam, enquanto comem queijo de cabrales com vinho tinto, porque aqui a chuva é sempre passageira. São assim as vidas destas terras esquecidas nos confins do mundo. São vidas simples, são vidas cheias. São vidas de chuva, são vidas de natureza. E para quem lá vai, é sempre um reconforto para a alma.