Já no Lago Titicaca, chegámos a Copacabana, cidade onde a chuva teima em reinar. De qualquer modo não podemos esperar outra coisa, pois estávamos na época das chuvas. Queríamos sol mas só o iremos ter quando esta nossa rota nos levasse ao Brasil. Chegados a Copacabana, a primeira coisa foi procurar sítio para dormir. Mas não é que a maioria dos hostels estavam cheios!? Apesar de ainda estarmos na “ressaca” do ano novo, lá nos desenrascamos. A seguir, uma das primeiras coisas que fizemos, foi comer uma truta durante o almoço – aqui há muita truta pois o rio Titicaca é de água doce. E que bem nos soube depois de tanto tempo onde só comemos carne.
Como a chuva continuava a importunar-nos, acabámos por nos recolher no nosso hostel, já de barriga cheia, para só sairmos na alvorada do dia seguinte. O dia acordou bonito, com sol e algumas nuvens. Aproveitámos a manhã para darmos um passeio pela cidade e experimentar as imensas lojas de regalos, onde predomina a cor e onde tudo se encontra. Almoçamos bem e decidimos subir o monte para ver a paisagem. Foi uma subida difícil. O percurso tem também uma conotação religiosa, pois sucedem-se várias estações, cada uma com a sua cruz e inscrição; são muitas as pessoas que param nas estações para fazer as suas orações e súplicas. Chegados ao topo, a vista é maravilhosa! Avista-se a totalidade da cidade, bem como o seu porto multicolor. Depois de recuperarmos novamente o nosso fôlego, descemos para beber uma cervejinha e passar descontraidamente à beira rio. Por entre as nuvens, o sol dava um ar da sua graça, ainda que timidamente, pelo que havia de aproveitar o calor que se fazia sentir.
Contagiados por algum cansaço, decidimos regressar à base para prepararmos a visita à Isla del Sol, a ilha sagrada para os Tihuanacos e Incas, que viria na manhã do dia seguinte. Apesar de termos acordado cedo, não conseguimos sair de casa a horas, por isso, não restou outra alternativa senão apressar substancialmente o passo para conseguirmos apanhar o barco que nos iria levar à maior ilha do Lago Titicaca. Traduzido à letra, Titicaca, significa “cabeça de puma” ou “puma cinzento”, mas os descendentes do povo que originalmente povoou a ilha ainda lhe chamam o lago de Mamaqocha: o nome de baptismo que significa ”mãe de água”.
Demorámos aproximadamente 1h30 a realizar a viagem e quando chegamos não chovia. Aliás, não choveu o dia inteiro o que, além de uma agradável surpresa, permitiu realizar actividades que de outra forma seriam complicadas. Não houve como não pensar em como mais uma vez a nossa estrelinha estava ao nosso lado! Iniciamos a nossa visita à Isla del Sol com um guia local que nos levou a ver a “Pedra Sagrada”: o local onde os Incas sacrificavam as pessoas que atentavam contra alguma das suas três leis – não mentir, não roubar e não ser preguiçoso. Trata-se de um dos lugares de culto mais importantes de todo o império inca.
O percurso através do caminho inca, que permitiu percorrer a ilha quase de uma ponta à outra, prolongou-se por três agradáveis horas. Foi também um caminho com inúmeras subidas e descidas, talvez um pouco extenuante, mas que nos permitiu subir até aos 4200 metros, sempre na companhia de lindas paisagens e inúmeras ruínas dos mais variados edifício incas. Feitas as contas devemos ter caminhado cerca de 8 quilómetros até chegarmos à parte sul da ilha, local onde tínhamos à espera o barco para regressar a Copacabana. Curiosamente, o sol teimou em brilhar todo o dia, quem sabe em jeito de presentear a nossa despedida da Bolívia.
Como já referimos, quando entramos no país, não gostamos muito da receptividade do povo boliviano: de uma forma geral encontramos pessoas rudes e bastante antipáticas. Excepções à regra, a família de acolhimento, que nos recebeu de uma forma espectacular em La Paz, permitiu-nos abrir um pouco o horizonte e vislumbrar, afinal, o quão bons e generosos são os bolivianos. Aqui, na cidade de Copacabana, voltamos infelizmente a sentir um certo repúdio e má atitude por parte dos bolivianos para connosco. É por isto que, se por um lado, ficamos contentes em deixar o país, por outro, iremos sempre recordar a nossa passagem por La Paz. Depois de quase um mês de grandes experiências na Bolívia é hora de mudar de país; e o país que se segue é o Peru. É pois com alguma apreensão que atravessamos a fronteira, pois esperamos encontrar gente boa, mais amistosa e cordial. Também esperamos ser surpreendidos por magníficas paisagens, com grande capacidade de encantamento e, principalmente, muita aventura.
Mudamos de país, mas não de lago. O Titicaca manteve-se como a nossa principal companhia nestes últimos dias. Chegamos a Puno com a intenção de visitar as “Islas Flotantes”, que aqui existem, e foi exactamente o que veio a acontecer. Cada uma destas pequenas ilhas, todas flutuantes e num número que rondará as quarenta, dispõe de um universo populacional composto por cerca de 8 famílias. Cada família vive numa única casa pois, face às baixas temperaturas da noite, é a forma que melhor encontraram para conseguirem reter o calor. Cada ilha tem ainda um presidente, eleito entre as famílias que nela habitam. Depois de regatear incansavelmente o preço para um percurso de dois dias, lá acabamos por enfiar-nos dentro de um barco e prosseguir para mais uma aventura.
Primeira paragem: Ilha de Uros. Aqui, fomos recebidos pela comunidade que vive na ilha, toda ela vestida a rigor e com rasgados sorrisos estampados na face das pessoas. Fomos também apresentados ao seu presidente que, na companhia do guia, explicou-nos o porquê de serem ilhas flutuantes. E porquê? Muito simples. Porque quando chega a temporada de chuvas, o caudal do rio sobe significativamente e eles necessitam mover as ilhas para locais menos profundos. Depois da explicação simples, mas interessante, cada família “puxou” um de nós para mostrar as suas casas feitas de Totora. Trata-se de uma planta herbácea de extrema importância para a vida destas pessoas, pois além de ser utilizada para como a principal material prima na construção das ilhas, é também utilizada no revestimento das casas e para ingestão alimentar, porque é muito rica em cálcio. Nós acabamos por provar e não nos arrependemos; não é nada mau e até se pode dizer que é agradável em sabor.
Uma das formas de sustento destas famílias passa pela venda pelo seu artesanato. Insistentemente tentaram que comprássemos uma qualquer peça ao pronunciar repetidamente as palavras Compre… Lleve… Durante a estada na Ilha de Uros tivemos também a oportunidade de nos deslocarmos numa réplica de uma embarcação que se crê ser a primeira a navegar no lago Titicaca. Também ela é construída à base de Totora é conhecida como “Mercedes Bens”, pois foi durante muito tempo o único meio de transporte disponível no lago. Chegados à hora da despedida, as mulheres presentearam-nos com um eloquente “Hasta la vista babe”.
Seguimos para uma ilha um pouco mais longínqua, facto comprovado pelas cerca de três horas que demoramos a chegar, sempre na companhia de muitas ondas e abanos. Em Amantani – assim de chama a ilha – tínhamos mais uma vez um conjunto de homens e mulheres, vestidos a rigor, para nos receber. Foi, no entanto, uma recepção diferente. Mal saímos do barco, separaram-nos e juntaram-nos a grupos distintos. A nós calhou-nos a Norma: uma senhora algo tímida, talvez com uns 30 anos, que nos levou para sua casa, cozinhou uma excelente refeição e mostrou sempre um enorme sorriso nos lábios. Como primeiro prato comemos uma Sopa de Quinoa e depois um saboroso e abundante arroz com batatas e queijo frito. Como nos encontrávamos em altitude – cerca de 3800 metros –, ofereceu-nos também muña: uma planta utilizada para fazer chá, que aumenta a oxigenação do sangue e combate o mal da altitude, também conhecido como el Soroche. Amantani situa-se em frente da Ilha do Sol, onde os pré-incas construíram templos dedicados à Pachamama e à Pachatata. Entre estes dois templos há a crença que existe uma uma poderosa onda de energia, facto que justifica o elevado número de pessoas, com origem dos mais improváveis locais do mundo, que se deslocam a este local para fazerem as suas meditações.
Tivemos aqui uma noite verdadeiramente fantástica! Vestimo-nos tal como os nativos da ilha e fomos para uma festa. Um grupo tocou e cantou músicas tradicionais, às quais tivemos de responder com dança. Gentilmente, a Norma fez questão em nos chamar de cada vez que uma música começava, mas a certa altura os seus olhos já começavam a fechar-se – o dia começa para esta gente às 4h da manhã e já eram 10h da noite –, ou seja, era chegado o tempo do descanso. Nós bem que queríamos entrar pelas profundezas do sono, mas a chuva, que a certa altura começou a cair intensamente, não nos deixou!
Ainda não eram 7h quando a Norma bateu à porta para tomarmos o pequeno-almoço; na mesa esperava-nos uma panqueca e um chá, que tivemos de ingerir à pressa pois tínhamos encontro às 7h30 em porto. A chuva continuava a cair e o lago Titicaca estava a mostrar-nos que também sabe revoltar-se. A hora que passámos dentro do barco pareceu estender-se por 3 ou 4 horas. Entre sacudidelas e abanos mais violentos, fechávamos os olhos na expectativa que a tormenta passasse mais rapidamente, mas não. Nada feito! Só muito mais à frente o sol reapareceu e as águas voltaram à serenidade habitual. Daí até Puno, sinónimo de terra filme, tudo voltou à normalidade dos dias anteriores. Chegados a terra, fomos logo procurar e comprar o bilhete para Cusco. Disseram-nos que sairia mais barato se comprado no dia e assim fizemos. Como o autocarro só partiria à noite, tivemos tempo para descontrair e fazer outras coisas: almoçar, passear um pouco e levantar algum material que tínhamos deixado no hostel. Estava na hora de partir para um dos locais mais enigmáticos desta viagem: Cusco e tudo e toda a magia que está em seu redor. Mal podíamos esperar pelo movimento do autocarro! Cusco que nos esperasse porque nós já estávamos muito perto!