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    Categories: Rotas Migratórias

Manaus: na capital do Estado do Amazonas

Depois da excelente experiência em Iquitos e péssima em Tabatinga, apanhamos outro barco, desta feita para a cidade de Manaus, a capital do estado brasileiro do Amazonas. Mais uma vez o nosso meio de transporte foi o barco e mais uma vez demoramos cerca de quatro dias até chegarmos ao destino.

O barco encontrava-se dividido em duas áreas distintas, correspondentes a um número igual de nacionalidades: os brasileiros e os haitianos. Esta situação deve-se ao facto de o Brasil ser um dos países que está a prestar ajuda às vítimas do grande sismo ocorrido no Haiti, em 2010, pelo que é muito frequente, nos dias que correrem, encontrar gente daquelas paragens em terras do Amazonas. A viagem decorreu tranquilamente e trouxe-nos saudades da primeira viagem que fizemos de barco na mãe de todos os rios. Sem dúvida que das três, a primeira viagem de barco no Amazonas foi mesmo a melhor.

Não muito longe de Manaus assistimos com fascínio ao “encontro das águas” que não se misturam. Trata-se de um fenómeno natural explicado pelo facto da água castanha, mais sedimentada, quente e forte, ter características muito diferentes da água negra, menos ácida, mais fria e calma. A verdade é que não há mistura possível: é quase como a água e azeite.

Rio castanho e rio negro: é quase como a água e azeite.

Já em Manaus, o primeiro passo foi falar com o Rodrigo, o nosso anfitrião por aquelas paragens. Em casa encontramos a sua mãe, Sra Rossangela, que rapidamente nos deixou confortáveis com o espaço. Enfim, típica hospitalidade brasileira. Em bom rigor acabamos por ser “adoptados” pela família, gesto ao qual respondemos exactamente da mesma forma. Foi uma semana muito bem passada, com muita alegria e boa disposição. Iremos recordar para sempre os lindos sorrisos e contagiantes gargalhadas desta família, já para não falar da importante troca de experiências e das conversas extremamente enriquecedores. Sem dúvida uma família que nos deixou saudade e ficará no coração para a posterioridade.

Por esta altura do ano – estamos no início de Fevereiro – é Inverno em Manaus. É verdade que durante o dia as temperaturas podem ultrapassar 35º C e de noite raramente baixam de 30º C, mas não deixa de ser Inverno para manauenses. Trata-se sobretudo da época das chuvas intensas, frequentemente acompanhadas por fortes trovoadas, que não são prolongadas mas suficientes para inundar as estadas por alguns minutos. Aqui até os trovões, muito mais fortes e frequentes, são mais bonitos e fascinantes. Para quem gosta, que é o nosso caso, foi sempre uma experiência muito apreciável pois nunca tínhamos visto os raios rasgar os céus tão perto de nós.

Voltando à cidade, há que dizer que Manaus é uma cidade um tanto ou quanto rústica, mas cheia de cor. Aliás, começando pelo rio negro que a banha, passando pelas interessantes calçadas das ruas e terminando nas fachadas das casas, em tudo há cor. No primeiro dia de passeio conhecemos sobretudo a parte central cidade, muito com a ajuda de um rapaz que tivemos a sorte de conhecer no autocarro e que desde logo se ofereceu para nos mostrar alguns dos mistérios e segredos da sua cidade. Foi uma agradável surpresa que fez, mais ainda, deixar uma excelente impressão dos manauenses. Depois de uma volta cultural, onde observamos e visitamos muito do edificado antigo, achamos que estava na hora de nos envolvermos com os habitantes e partilhar das suas histórias. Para tal, nada melhor que ir ao “Mercadão”. Encontramos um mercado repleto de cor e cheio de frutas características da Amazónia: cupuaçu, tapereba, graviola, açerola e maracujá de mato (mais doce que o normal) são apenas algumas das variedades.

Assim que regressamos a casa dos nossos anfitriões fomos recebidos com um sorvete de cupuaçu, feito pela Sra Rossangela, que estava maravilhoso. A verdade é que esta brasileira de sorriso fácil é uma excelente cozinheira. Desde as típicas farofas, passando pelo feijão e acabando no bolo de laranja ou super brigadeirão, tudo é fantástico e excepcionalmente bem confeccionado.

Fachada do teatro de Manaus
Pormenor das belas calçadas, muito ao estilo português.

Num dos dias da nossa estada aproveitamos para passear até Presidente Figueiredo. Trata-se de um município que dista aproximadamente 100 km de Manaus, para Norte, sobretudo conhecido pelas mais de 200 cascatas e cachoeiras que fazem da região um lugar de grande beleza natural. O nosso passeio, centrado essencialmente numa destas cascatas, fez-se na companhia do Rodrigo e de dois dos seus amigos, sendo que um dele, o Marco, é um músico relativamente conhecido em Manaus. Fomos também conhecer a Ponta Negra, um local que nos faz lembrar, se bem que vagamente, o nosso Parque das Nações, em Lisboa. A principal diferença é que o rio é de cor negra. O Rio Negro, nome pelo qual é conhecido, nasce no Peru e tem um baixo caudal; a sua cor resulta dos percursos em que atravessa a floresta, onde as folhas escuras que caem das árvores “tingem” a água, tal como se de um chá se tratasse.

Foi em Manaus que nos foi introduzido o Samba no Brasil. Por cada dia da semana que aqui permanecemos, há uma correspondente noite de folia, onde o Rodrigo nos levou a conhecer outros tantos bares típicos. Na primeira noite assistimos ao ensaio da escola “Aparecida”, em preparação do desfile que veio a acontecer, já depois na nossa partida, no sambódromo de Manaus. É arrepiante ouvir mais de 100 pessoas a tocar o mesmo ritmo. A televisão não dá para ter uma ideia. Só mesmo no local é perceptível o beat que nos chega até às entranhas. E se estávamos em Manaus, o que seria no Rio de Janeiro!? O mais interessante é que os ensaios são feitos na rua, não só para o público assistir livremente, mas também para se venderem grandes quantidades de bebidas e assim custear as despesas do carnaval, sobretudo com os coloridos e exuberantes fatos. Aqui não há interesses pessoais e quem lucre individualmente com as actuações. Quem está dentro, está porque gosta e porque ama incondicionalmente a música. Aliás, o povo brasileiro vive para a música e não dela.

Cachoeira na zona de Presidente Figueiredo

Nos vários espaços onde marcamos presença em cada uma destas noites, e ao contrário do que é comum em outras paragens fora do Brasil, não há ninguém a passar CDs, MP3 ou qualquer outro suporte a conteúdos musicais. Aqui todos os bares dispõem de um grupo de amigos, que tocam de borla ou a troco de umas quantas bebidas. E como não há um conjunto fixo ou oficial, com o avançar das horas, há uma troca constante de vocalistas e músicos. O mais engraçado é que canta quem quiser cantar. Chegando a sua vez, aproximam-se e pedem apenas para os músicos começarem “em Ré menor”. Não há necessidade em dizer o nome das músicas e tudo se encaixa na perfeição, quase como de telepatia se tratasse. Em terra de Samba há também a dizer que ninguém permanece muito tempo quieto. Ao som da música há um obrigatório “Samba no pé”, facto ao qual não pudemos ficar alheados, se bem que tenhamos de reconhecer alguma falta de destreza para a dança que é considerada uma das principais manifestações culturais populares brasileiras.

Foi com enorme pena que, após uma semana de magníficas experiências, tivemos de deixar a Amazónia rumo ao Rio de Janeiro: uma passagem do interior para o litoral; uma viagem da estação invernal amazonense para o verão tórrido da cidade que nos recebe com o Cristo de braços abertos.

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