Após alguns contactos com as reminiscências das culturas Yunga, Wira, Aymara e Tiwanakota, eis-nos chegados a terra de Incas: o povo que dominou durante séculos uma vastidão assinalável de território e que foi o último a ser conquistado pelos espanhóis, no Peru, durante o século XVI.
Cuzco – em quíchua, “Umbigo do Mundo” – é actualmente a capital arqueológica de toda a América do Sul, mas a seu tempo foi a capital do império que o povo Inca estendeu a grande parte da região andina, através de grandes avanços arquitectónicos, nomeadamente, com a construção de estradas, pontes e engenhosos sistemas de irrigação. Não só na cidade, mas também em seu redor, podemos encontrar várias aldeias e ruínas Incas de grande valor, importância e onde se mantêm vivas as tradições dos seus antepassados. Písac, conhecido pelo seu observatório astronómico; Chinchero, onde se realiza semanalmente o maior mercado do vale sagrado dos Incas; ou Ollantaytambo, um complexo de defesa, administração e agricultura, construída entre 2 montanhas, são apenas alguns dos bons exemplos. E já que falamos em antepassados, vamos explicar um pouco daquilo que nos chamou particularmente à atenção. Falo do modo como os Incas vivem e vêem o mundo.
A Chacana, ou cruz andina, é o principal símbolo dos povos que ao longo dos séculos aqui se instalaram e explica muito o seu modo de vida e as suas crenças. Constituída por 12 pontas, a cruz está dividida em 3 partes horizontais, correspondentes à religião, e em 2 verticais, ligada ao modo de vida. Para além de estar dividida desta maneira, a sua representação gráfica está profundamente ligada aos socalcos onde era desenvolvida a agricultura e colhidos os alimentos necessários à subsistência do povo.
Verticalmente, podem-se verificar uma série de curiosas dualidades através da divisão em parte positiva e negativa, sol e lua, verão e inverno. São dualidades de grande importância, sobretudo as últimas duas, pois representam uma grande influência no dia-a-dia do povo Inca, sobretudo quando verificarmos que a agricultura alcançava um peso de quase 100% na sua subsistência, logo, uma grande necessidade de sol no Inverno e água no Verão – aqui a época seca e das chuvas está invertida relativamente ao hemisfério norte. De uma forma geral, os Incas plantavam milho, batatas, favas, abacate, feijões, amendoim, tomate de árvore e a quinoa, o cereal andino que cresce em socalcos como, aliás, também se faz para algumas plantações em determinadas regiões do norte de Portugal. O desenvolvimento da actividade agrícola através de socalcos, propiciava ainda a criação uma espécie de microclima que fazia com que pudessem fazer várias experiências e produzissem mais de 20 espécies em simultâneo.
Voltando ao significado da cruz andina e à sua representação horizontal, que tem uma conotação essencialmente religiosa, há que referir a adoração dos Incas a uma espécie de trindade, tal como fazem os cristãos. O seu Deus maior, responsável pela criação e criador de tudo, chama-se Wiraqocha e teve quatro filhos: Pachamama (Terra), Mamaqocha (Água), Inti (Sol) e Huira (Vento).
Dos quatro filhos, três estão associados aos seus três diferentes mundos, também relacionados com o espaço de tempo e simbolizados por animais. Passamos a explicar:
No 1º degrau está representado o supra mundo (Janajpacha), ou seja, o futuro. É também para onde vão as almas depois da morte. Janajpacha está simbolizado pelo condor, a maior ave existente na América do Sul e que outrora foi dominada pelos Incas. Esta ave de rapina representa o cérebro e a inteligência do ser humano, pois é a única que têm acesso aos três mundos. Janajpacha relaciona-se também com Inti, o filho Sol.
No 2º degrau está o presente ou o mundo em que vivemos (Kaipacha). Simbolizado pelo puma, o maior mamífero existente na América do Sul, também ele dominado pelos Incas, representa o coração e a força espiritual. Kaipacha relaciona-se com a terra (Pachamama).
O 3º degrau apresenta-se como o submundo (Ukupacha) ou o passado. Representado pela serpente, símbolo da sabedoria e da vida eterna, relaciona-se com a Água (Mamaqocha) e seus principais representantes, como os lagos e rios, pois a serpente movimenta-se como os rios pela terra.
Finalmente, Huira, o quarto filho, é o círculo que se encontra no meio da cruz andina e está em todos os mundos. É o responsável por ligar todos eles, pois é o Oxigénio e sem ele não há vida.
Em suma, os Incas eram significativamente diferentes dos seus colonizadores, sobretudo se olhamos ao aspecto religioso. Não será por acaso que a primeira coisa que o conquistador Francisco Pizarro ordenou quando chegou a Cuzco, foi destruir os locais de culto Inca e sobre estes construir igrejas e catedrais. Nos dias de hoje a cidade está repleta de inúmeras e belas igrejas, onde se sabe ter existido, ou até permanecer junto às suas fundações, um antigo templo Inca.
Por hoje não nos resta muito mais tempos, pois é hora de ir para a cama. Amanhã há que acordar cheio de energia, porque espera-nos uma caminhada de 4 dias até Machu Picchu! Depois contamos com foi!
Abraços e boa semana.