Ainda no dia em fizemos o passeio de barco pelo Lago Inle, decidimos procurar um guia que nos pudesse acompanhar numa caminhada pelas montanhas e vilas que rodeiam o lago. Não demorámos muito a descobrir um senhor que estava livre e disposto a ir connosco.
Combinámos todos os detalhes e no dia seguinte, logo pela manhã, começámos a caminhada rumo às montanhas situadas a nascente do lago. Durante a subida, para além das paragens nas aldeias de que nos acercámos, há um momento que merece claro destaque: a visita a uma cave, onde conhecemos um monge que ali vivia há mais de 5 anos. Segundo nos contaram, este eremita fecha-se todos os dias e abre apenas a porta às horas de almoço, período em que os habitantes da vila ali se deslocam para fazer as suas oferendas. Também tivemos oportunidade de visitar algumas das escolas que servem as aldeias da região, a grande maioria financiadas por pessoas estrangeiras que, tal como nós, visitaram recentemente a região.
Desde que iniciámos a caminhada, passaram-se mais de 6 horas até chegarmos à aldeia, bem no topo da montanha, onde estava previsto passar a primeira noite. À chegada, fomos recebidos por uma família muito acolhedora que, para além de nos oferecerem um tecto para dormir, deixaram-nos completamente à vontade, nomeadamente para usarmos a cozinha e assim prepararmos as refeições. O ambiente, pobre para acolhedor, era iluminado por lâmpadas enfraquecidas, alimentadas pela corrente eléctrica que provinha de baterias ligadas a pequenos painéis solares. Trata-se de mais uma oferta de estrangeiros que, com pequenos gestos como este, muito facilitam a vida das gentes que vivem nas montanhas de Shan. No caso particular desta família, o simples facto de haver luz na cozinha e um sistema de som a funcionar, faz toda a diferença e permite serões muito mais animados.
Com o avançar da noite, e depois de um bom período de conversa, ficámos a saber que nestas aldeias são as mulheres que vão trabalhar o dia todo para o campo, procurando fazer crescer culturas diversificadas, mas onde há algumas que se destacam: o milho, arroz, açafrão, alho, chá e tabaco. Trata-se de culturas com algum peso económico e que podem trazer algum rendimento às famílias. Já os homens, ficam por casa à espera do regresso das mulheres e a fazer o que seja necessário à sua preservação. Nestas aldeias há um grande espírito de comunidade e entreajuda, ou seja, estão todos sempre dispostos a ajudar quem mais precisa – se um habitante necessita de construir uma casa, juntam-se todos os homens da aldeia para ajudar na sua construção.
O segundo dia da nossa caminhada pelas montanhas de Shan revelou-se bem menos exigente, já que não tivemos de subir como no dia anterior. Andámos sempre num plano sem grandes desníveis, onde fomos encontrando novas aldeias e gentes na sua labuta diária. Numa destas aldeias estava a decorrer um funeral, ritual que nos despertou interesse e decidimos assistir. E se há algumas pontes que podemos estabelecer com os rituais ocidentais, não deixa de ser curioso que, quando alguém aqui morre, todos os habitantes da aldeia vêm para perto da família do falecido, sempre com oferendas alimentares ou financeiras, pois é uma forma de ajudar a colmatar a perda. Os monges também são convidados e são eles os responsáveis pela condução da cerimónia.
Chegada a noite, uma vez mais, ficámos em casa de habitantes locais. Tal como na primeira noite, também aqui o jantar foi confeccionado numa fogueira instalada bem no centro da cozinha. É curioso ver cada alimento a ser cozinhado à vez, processo que implica maior demora para o jantar estar pronto, mas vendo bem as coisas os habitantes das montanhas de Shan é que estão certos. Aqui não se vive com pressa e há tempo para tudo!
Não muito diferente de quando começamos esta aventura, passámos do último dia a caminhar, mas desta vez para descer das montanhas e regressar ao ponto de partida, ou seja, ao Lago Inle.
Em jeito de conclusão, diria que os três dias passados nas aldeias das montanhas de Shan, para além de uma experiência extremamente gratificante, foi também uma forma de retrocedermos algumas décadas na linha do tempo, tudo só possível com a preciosa ajuda do guia que nos acompanhou. É a ele a quem devemos a deliciosa comida que nos serviram, os magníficos serões que passamos no seio das famílias e o conhecimento que adquirimos sobre os costumes e cultura destas gentes.
Agora que já conhecemos o Lago Inle, bem como algumas das principais aldeias que o rodeiam, está na hora de nos fazermos à estrada, conhecer outras paragens, fazer novas descobertas. O próximo destino é místico e único. Aliás, talvez merecesse até um lugar na lista das novas 7 maravilhas do mundo.