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    Categories: Rotas Migratórias

Bariloche: entre vales e montanhas pela rota 40

Para fazer uns meros 200 quilómetros pela estrada 40 – a famosa estrada onde outrora terá “nascido” o Che Guevara com os seus 20 e poucos anos de idade – tentamos ir a boleia pela primeira vez. Tentativa falhada. Já tínhamos tido algumas boleias locais, mas nenhuma de longa distância. Ainda não foi desta. De qualquer forma também só tentámos só por uma hora, pois tínhamos alguém à nossa espera no destino.

O rapaz, de nome Federico, recebeu-nos lindamente. Com uma mesa farta em vinho, pão e queijo, sentimo-nos desde logo em casa. E quando já não estávamos à espera de mais nada, eis que surgiu um jantar quentinho! Que bem que soube. Ficámos horas e horas a falar das nossas vidas como sempre fazemos. A rede social CouchSurfing é sobre isto mesmo. Não se resume a receber gente. É muito mais do que isso. Para além da troca de ideias, experiências, músicas, filmes, livros e muitas outras coisas, é o início de uma amizade que fica para todo o sempre. Sempre que me lembro de um lugar em particular, a primeira coisa que me vem à cabeça são as pessoas e a relação desenvolvida com as demais.

No dia seguinte ficamos sozinhos, pois o nosso anfitrião tinha de trabalhar. Fomos passear até um lago – podemos dizer assim porque ao seu lado fica nada mais que o maior lago da Argentina. Estava um dia de sol que contracenava com o dia nublado da nossa chegada. O tempo tem estado instável devido às cinzas libertadas pelo vulcão que fica aqui ao lado, no vizinho Chile. Entretanto, o Fede chegou a casa. Fomos com ele passear. Passamos pelo Cerro de los Duendes. Subimos a montanha para ver uma paisagem espectacular, cheia de montanhas, e o lago no centro destas. O melhor de Bariloche são os seus caminhos e estradas. Estas, decoradas lateralmente por flores lindíssimas em tons de amarelo, verde e roxo que, com o verde e castanho das árvores, as montanhas e o (raro) azul do céu, faz lembrarem a Suíça. À noite, foi a nossa vez de fazer o jantar. Algo muito simples mas que, depois de uma caminhada com alguma exigência, soube muito bem. Claro que tudo esteve acompanhado por um excelente vinho da zona. Quando chegamos à cama, caímos como uns bebés. Não pelo vinho mas pela dificuldade da caminhada.

Sendo hoje Sábado, é dia de descansar; dia de tomar o pequeno-almoço em “família”, de estar na mesa até o almoço estar feito e comer mais um bocadinho. Mas também é dia de passeio. Infelizmente o tempo não está muito a nosso favor: está “chocho” e com chuviscos abundantes. Apesar de tudo, o nosso novo amigo levou-nos a passear. Fizemos o “circuito chico” com um guia improvisado. Na cidade comemos chocolate artesanal – há por aqui chocolate em todo o lado, é loja sim, loja sim. E nós como não somos nada gulosos, não resistimos. Claro! Havia chocolate de todos os feitios e sabores: de avelã, cereal, rum, whiskey, framboesa, banana, leite, baunilha, passas, amêndoa, noz, coco, etc… e novamente etc… Antes de regressarmos, compramos também uns docinhos locais e alguns ingredientes para mais um jantar tradicional feito pelo nosso amigo. Não será de mau tom relembrar que hoje é Sábado; dia de descansar. Sentamo-nos à mesa, a tomar um Mate – a infusão que os argentinos estão sempre sempre a tomar – e a comer os tais docinhos. Falando do jantar de hoje… hum… Uma verdadeira maravilha. Tratou-se de um prato tradicional da zona feito com lentilhas, diversos vegetais e chouriço. Um adeus perfeito a Bariloche.

Paragem de autocarro em El Bariloche

Temos de dizer que fomos os primeiros couchsurfer’s em casa do Fede, pelo que não resistimos partir sem lhe deixar uma prenda: um caderno para que possa registar as impressões dos viajantes que vão passando em sua casa.

Estava na hora de partir. Passavam poucos minutos do meio-dia e o autocarro era às 13h00. Tudo bem, pensámos. Estávamos equivocados. Na hora de deixarmos a casa, o carro do Fede não pegava. Desmontamos a bateria o mais rápido que conseguimos, limpamo-la e aquecemo-la um pouco, mas nada. Como a casa fica a uns 30 minutos da estação de autocarros, resolvemos chamar um táxi. Já estávamos francamente atrasados. Enquanto o táxi não vinha o Fede foi tentar arranjar a bateria. Nós não tínhamos muita esperança porque era um carro antigo. Estávamos uma vez mais equivocados. Eis que surge o carro dele, ainda com o capô aberto. Pusemos rapidamente as coisas dentro do carro e arrancamos. No caminho encontramos três condutores típicos de fim-de-semana. Que aselhas! Não deveriam estar a circular a mais de 40 km/h e um deles nem queria ser ultrapassado. Foi uma aventura ultrapassar cada um deles, sempre a “alta velocidade” e com os pneus do grande Fiat Duncan a chiar em grande estilo. Por instantes confesso que mantive o coração na mão, não pelo atrasado da hora, mas por serem umas ultrapassagens um quanto “apertaditas”. A escassos minutos das 13h00, lá chegamos. Saí do carro a correr para impedir que o autocarro partisse, enquanto a Catarina e o Fede traziam as malas mais pesadas. A maioria das pessoas já tinha posto as malas e subido para o autocarro. Pareciam que estavam à nossa espera. Bem, grande aventura. No fundo, tudo está bem, quando acaba bem.

Vamos para outro país: o Chile. Estamos desejosos para conhecer mais; outra cultura; outras pessoas; outros modos de vida. Mas antes disso, queremos deixar um cheirinho do que é a Argentina. Mais do que sítios e paisagens bonitas, como todas aquelas que vos fizemos chegar, encontrámos sempre pessoas fantásticas e cheias de vida. Nas ruas encontram-se abundantemente pizzarias, visto que muitos italianos emigraram para as Américas, boa parte deles para a Argentina. Mas, para além das pizzas, podem-se comer em todo o lado as famosas parillas, que são grelhados de carne de vaca, porco, galinha, morcela, chouriço, entre outros. É como um bom churrasco português numa tarde de verão. As maravilhosas empanadas, normalmente feitas de queijo e fiambre, queijo e cebola (deliciosa), carne e verduras, ou galinha, são outro dos atributos gastronómicos que podemos também encontrar um pouco por todo o lado.

Algumas das refeições que referi são acompanhadas, ora por cervejas artesanais, ora pelos vinhos fantásticos da região de Mendoza, San Juan ou Salta. Nós, europeus, gabamos o nosso vinho. É certo que é bom. Mas o argentino e o chileno não fica nada atrás. Muitas das castas são europeias: Malbec, Chardonnay, Syrah, Sauvignon, Merlot, são apenas alguns dos exemplos. A diferença é que aqui tem o toque da cordilheira dos Andes, elemento fulcral para a qualidade presente nestes vinhos.

Por último, temos o mate: a bebida que está para os argentinos como o chá preto está para os ingleses ou como o chá de menta está para os marroquinos. Embora todos eles sejam mais que uma bebida quente, o mate é ainda mais. O mate é sempre servido numa taça de madeira, mas as pessoas não bebem por ela. Tem uma bombinha – como aqui se chama – que é uma espécie de palhinha de metal. A acompanhar a taça e a bombinha, há o recipiente onde está a água quente que serve para encher e reencher a taça de madeira, sempre que esta se vazar, coisa que acontece rapidamente. Continuando com a parte espiritual do processo, tomar mate é mais do que um costume: é ritual; tem as suas regras. Sempre que um grupo de amigos se junta, toma-se o mate. A pessoa que o faz é a mesma que o serve e partilha. O servidor serve-se primeiro a si e toma a primeira dose, que por norma é a mais forte. Volta a encher e passa para outra pessoa; esta pessoa assim que termina, devolve a taça ao servidor para que este a reencha e passe a outra pessoa. E assim sucessivamente, dando várias voltas dentro do grupo. Depois, quando uma pessoa estiver satisfeita e não quiser prosseguir, só precisa de agradecer para se excluir de ser servida. Ao agradecer, o servidor subentende de imediato que a pessoa não deseja tomar mais mate. Nada mais simples.

Na rota de… para sempre

O mate é tomado a toda a hora do dia menos à noite. Cada argentino toma por norma 2 litros de mate por dia, sendo que a quantidade varia de pessoa para pessoa. O servidor que fizer o melhor mate é reconhecido no grupo como tal. É bem tratado pelos demais. Mas só por fazer um bom mate? É verdade! Porque fazer mate tem a sua ciência, reclamam. Não se pode deixar queimar a erva, porque perde o sabor, nem deixar que esta empape. Em suma, nem todos sabem fazer na perfeição o mate.

Outras característica muito interessante em todos estes comeres e beberes, é o facto de muitas vezes serem partilhados entre pessoas, enquanto estas vêm ou ouvem um bom jogo de futebol.

Assim é a Argentina.

“Vemo-nos” no Chile.