Prontos para uma prolongada viagem de 22h, apanhamos o autocarro mais barato que encontramos para Lima. Foi um percurso talvez demasiado longo, mas onde tudo correu pacificamente. Como dormimos a maior parte do tempo, vendo bem as coisas, até se pode dizer que não foi muito exigente e que passou a correr. O caminho é lindo. Para quem habitualmente acompanha o Dakar, agora em terras da América do Sul, sabe do que falamos: são mais de 1000 quilómetros de deserto que se aconchega junto a uma costa de lindas praias. A parte triste é só dispormos de 5 meses e como tal não podemos parar em todos os lugares que desejaríamos.
Chegamos ao destino perto da hora de almoço do dia seguinte. Ao entrar na cidade de Lima, capital do estado peruano desde o século XVI, altura em que destronou Cuzco, fomos observando um infindável número de casas encavalitadas umas sobre as outras. As pessoas eram também mais do que muitas e moviam-se por todos os lados. Enfim, um ambiente característico de muitas das grandes cidades sul americanas.
Como já tínhamos decidido que não ficaríamos em Lima por muito tempo, assim que desembarcamos na estação de camionagem, compramos de imediato a passagem de autocarro para Pucallpa, momento onde tivemos mais uma vez muita sorte – grande parte dos autocarros já se encontravam cheios, pelo que rapidamente seriamos forçados a ter de adiar a partida. À semelhança do que tínhamos feito em Cuzco, tentamos novamente encontrar lugar pelo custo mais baixo possível, mas desta vez em vão. As pessoas amontoavam-se e parecia que todos estavam a viajar no mesmo dia. De qualquer modo não desesperamos e optamos por pagar um pouco mais para conseguir o tão desejado bilhete.
O nosso autocarro partiu ao entardecer e deveria demorar cerca de 18h a chegar ao destino, mas após de 3h de caminho já estamos a encostar. Tivemos um pouco de azar com o estado do tempo e não houve outra alternativa senão parar. A neve caía abundantemente e seu aumento repentino inviabilizou a circulação rodoviária ao ponto de as vias terem sido cortadas pelas autoridades. A inesperada situação fez-se acompanhar de alguma desilusão, mas havia que se compreender o risco acrescido que teríamos de enfrentar, sobretudo de olharmos ao facto da estrada subir até perto dos 5000m de altitude. Assim, todos os passageiros que viajavam nos autocarros que se encontravam a cruzar esta rota tiveram de dormir sentados no próprio lugar. Isto acaba por ser a prova provada que não se pode controlar o tempo, até porque se inicialmente era para apenas pararmos por umas horas, acabamos por ficar parados durante a noite inteira. Costuma-se dizer que há males que vêm por bem e pelos visto foi o que nos aconteceu com a compra do bilhete em Lima – afinal não foi propriamente um grande azar só termos encontrado bilhetes para um segmento superior de autocarros.
Chegamos a Pucallpa na madrugada do segundo dia de viagem. Aqui, tal como em todo o lado, há sempre imensa gente que nos aborda insistentemente para perguntar se queremos um táxi ou um barco. Por outras palavras, uns chatos. A passagem pela cidade teve o mesmo objectivo que Lima, ou seja, apenas para funcionar como transbordo para o destino seguinte – Iquitos e a selva amazónica. Esta viagem pode essencialmente ser feita de duas maneiras: de avião, para a qual estávamos preparados e tínhamos bilhetes comprados há três meses; ou de barco, que foi aquela pela qual acabamos por optar depois de proceder ao cancelamento os voos. Estamos, portanto, a falar de uma viagem longa, com três a quatro dias de duração, onde só no final veríamos se esta decisão de última hora teria valido a pena. Retomando a estória, tudo começou logo na madrugada em que chegámos a Pucallpa. Ao perguntar o que poderíamos fazer nesta parte da selva, disseram-nos que existem várias hipóteses mas que os animais são a principal atracção. Ora se em Iquitos esse era um dos principais objectivos, porque não antecipar a experiência!? Disseram-nos que um barco estava para partir às 8h da manhã e nós fomos à confiança. Rumamos em direcção ao referido barco, mas antes fizemos uma pequena paragem numa loja para comprarmos uma rede de dormir, de onde só saímos depois de regatear muito bem o preço. Melhor, depois do Fred regatear muito bem. Não será por acaso que todos dizem que ele é “duro”, pois quando tem alguma coisa na ideia ninguém a tira. Foi uma negociação interessante, onde acabamos por entregar dois casacos de que já não íamos necessitar e que teve com resultado uma baixa contrapartida financeira.
Ao chegarmos ao cais foi muito fácil perceber qual o seria o primeiro barco a partir, pois há sempre vários camiões a rodearem a nave para embarcar suas mercadorias e uma grande quantidade de passageiros que têm como destino Iquitos: a cidade que é pura selva. Pelo seu isolamento há que importar quase tudo, apesar dos quatro longos dias de viagem. Até os gelados importam. E para os preservar, só mesmo com um camião – tipo family frost – que segue a bordo e, imagine-se, permanece ligado qualquer coisa como 18h por dia.
O barco que era para sair às 8h saiu às 7h. E o seguinte deveria sair às 12h, mas a fraca afluência ditou que a partida resvalasse para as 17h. Disseram-nos que o barco estava demasiado vazio, o que implicava adiar a hora de saída e o cancelamento do serviço de almoço. Em bom rigor a questão da comida até acaba por ser um mal menor, onde não há lugar a grandes preocupações, pois vem literalmente ter com os passageiros. Por aqui, enquanto os barcos se encontram parados, há sempre imensa gente que se movimenta de um lado para o outro a vender frutas, comida ou água. E para além da componente alimentar, há vendedores que se dedicam ao negócio da roupa, redes para dormir, baralhos de cartas, etc… Enfim, um autêntico mercado ambulante e um verdadeiro corre-corre de gente. Com o passar das horas, o barco foi-se enchendo de gente, como aliás seria natural, mas as supostas 17h fixadas para a partida também já faziam parte do passado. Entretanto levantou-se uma tempestade, com chuva intensa e vento muito forte. Resultado: o barco tinha mais uma vez de ficar retido e só sairia na manhã do dia seguinte.
Com tantos imprevistos, atrasos e cancelamento, felizmente não tivemos de sair do barco. Pudemos dormir no seu interior, mas às 6h já estávamos acordados. Aqui acorda-se bem cedo, quer se queira, quer não. Quando nos levantámos, embora tenhamos encontrado o nosso barco super carregado, o certo é que continuavam a chegar abundantemente novos passageiros. Estávamos todos uns em cima dos outros e o corredor, que deveria estar liberto para alguma eventualidade, já estava super lotado. O espaço destinado a 200 redes de dormir, também ele completamente cheio de gente, já deveria albergar umas 500 camas improvisadas. E não estamos a incluir as crianças, pois estas dormem normalmente no chão. Finalmente chegou a tão desejada hora de partida. Eram 10h e a brisa cortava o calor húmido que se fazia sentir, ou não estivéssemos nós quase no interior da selva. Este “bafo” húmido que se cola a todo o lado é talvez a parte mais incomodativa, mas tudo de resolve. Foi uma questão de nos deslocarmos um pouco mais para junto da proa e deixarmo-nos refrescar pelo vento resultante do movimento do barco.
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