Em Outubro de 2009, fiz a minha segunda grande viagem na Índia. Digo grande porque percorri vários quilómetros entre o sul, centro e norte, ao longo de cerca de duas semanas. Era a segunda vez que embarcava num percurso tão longo, mas desta vez não tinha ao meu lado os dois amigos que me acompanharam durante a primeira viagem. Ia sozinha.
O meu visto, sendo de estágio, permitia-me usufruir dos lugares reservados a estrangeiros nos comboios, normalmente acessíveis aos turistas. Isso facilitou-me a compra dos bilhetes e pude partir de mochila às costas, com um itinerário definido, mas preparada para possíveis surpresas, algo bastante comum na Índia.
Quando se fala no Estado norte-indiano do Rajastão, a maioria dos turistas estrangeiros associa imediatamente a Jaipur, a cidade que faz parte do chamado triângulo dourado – Delhi, Agra e Jaipur -, mas o Rajastão tem várias cidades que merecem ser visitadas. Visitei quatro delas – Jaipur, Jaisalmer, Bikaner e Udaipur. As duas primeiras são muito cativantes e deixaram-me o desejo de regressar. Bikaner foi uma visita rápida. Udaipur, porém, fascinou-me, deixando-me completamente apaixonada, mais como um sentimento que perdura do que um amor de Verão fulgurante e curto.
Udaipur fica a 415 km de Jaipur e é conhecida como a cidade branca ou a cidade dos lagos. É também chamada a Veneza do Este, juntamente com Srinagar, na Caxemira, e Alappuzha, em Kerala. Várias cidades indianas são classificadas de acordo com algo que as caracteriza. Nem todas fazem jus ao cognome, mas Udaipur pode muito bem ser chamada a cidade dos lagos.
Cheguei a Udaipur de comboio, vinda de Jaipur. Era bastante cedo e fui à procura de um hotel. Hospedei-me no hotel Hanuman Ghat. O quarto era simples, mas a parede tinha alguma decoração (penas de pavão e uma pintura sobre mulheres rajastanis). Gostei do facto de ter sido limpo na altura e certifiquei-me de que os lençóis com as marcas dos hóspedes anteriores também eram trocados. O proprietário tinha dois hotéis com o mesmo nome, um sem restaurante e outro com um restaurante no terraço.
As minhas alunas andavam há algum tempo a insistir que comprasse um sari, a peça de vestuário mais tradicional das mulheres indianas, composta por três partes (uma blusa que não cobre a barriga, um petticoat e um tecido longo que se enrola à volta da cintura – enfiado no petticoat – deixando uma parte de fora que é elegantemente colocada sobre o ombro esquerdo, caindo sobre as costas), para o poder usar num dos eventos da instituição universitária onde estava a fazer o estágio. Tinha comprado um em Jaipur e aproveitei para o costurar em Udaipur. Um jovem acompanhou-me à costureira e, depois de o deixar lá, fomos dar uma volta.
Um dos lagos de maior referência em Udaipur é o lago Pichola. O hotel ficava perto dele, mas nessa tarde decidi que iria passear perto do lago artificial Fateh Sagar. Menos frequentado, permite-nos usufruir de momentos relaxantes à beira da água. Pelo caminho, acompanhada pelo jovem local, descobri os templos de Lakshmi e Shiva, perto do lago. Encontrar algum habitante que nos possa mostrar os lugares menos conhecidos dá-nos a possibilidade de ter boas surpresas que não teríamos se nos cingíssemos aos guias de viagem.
Visitámos o espaço Shilpgram, concebido como um museu etnográfico vivo no qual são demonstrados os estilos de vida tradicionais de determinadas zonas do Rajastão, com o objectivo de preservar a cultura. Pude ver e ouvir dança e música tradicionais do Estado.
Demos uma volta por lá e depois fomos até ao jardim Rajiv Gandhi. Estava lá um homem que andava a passear pessoas a cavalo e não resisti a dar uma volta. Enquanto em Jaipur o elefante é o símbolo da boa sorte, e em Jaisalmer o camelo é o símbolo do amor, em Udaipur o cavalo é o símbolo do poder.
Mais tarde, depois do jantar, encontrei o meu companheiro do passeio à tarde. Queria mostrar-me o lago Pichola. Era logo ao lado e eu disse-lhe que não. O jovem insistiu dizendo que éramos amigos. Esclareci que não o éramos, até porque só o tinha conhecido naquele dia. Sendo uma mulher estrangeira a viajar sozinha, há que saber impor limites, e os homens indianos podem ser muito insistentes…
O lago Pichola é artificial e foi criado em 1362 por Banjara, membro de uma tribo cigana. Mais tarde, o Maharana Udai Singh II, deslumbrado com a beleza do lago, decidiu fundar Udaipur nas suas margens. Para aumentar o tamanho do lago, construiu uma barragem de alvenaria que inundou a aldeia de Pichola. À beira do lago encontram-se alguns ghats (degraus que dão acesso à água do rio) onde as pessoas podem tomar banho ou lavar a roupa. Dizem os habitantes que na água se podem encontrar crocodilos, mas lamentavelmente não tive o prazer de conhecer algum.
No dia seguinte, fui visitar o City Palace, uma das maiores atracções turísticas em Udaipur, situado à beira do lago Pichola. Fortes e palácios abundam no Rajastão. O City Palace foi construído ao longo de 400 anos, tendo começado a ser construído em 1559 pelo Maharana Udai Singh II. Foi terminado pelos seus sucessores.
O complexo estende-se por um espaço de 244 m, sendo composto por 11 palácios que foram construídos pelos vários maharanas. Agora parcialmente transformado em museu, acede-se por vários portões e tem várias varandas, torres e arcos com vista para a cidade e o lago Pichola. A arquitectura teve influências rajastani, mugal, da Europa medieval e chinesa.
Ao terminar a visita, já era hora de almoço e escolhi um restaurante no primeiro andar de um edifício. A entrada, no rés-do-chão, dava para uma galeria de arte e, já depois de almoçar, aproveitei para observar o trabalho dos artistas. Conheci o Gopal, um deles, que também geria a galeria. Um homem agradável, de boa conversa, cuja filosofia de vida incluía o yoga e a meditação. Comprei um dos postais pintados por ele, onde se via um belo elefante adornado.
De seguida, fui ao templo Jagdish, dedicado ao deus Vishnu na forma de Jagannath, senhor do universo.
Udaipur é famosa não apenas pela sua beleza, pela forma como a cidade nos pode proporcionar momentos em que desfrutamos das suas cultura e história mas, também, pela possibilidade de podermos simplesmente andar e apreciar as cenas quotidianas tais como as mulheres a lavarem a roupa, os vendedores a tentarem convencer os turistas a comprar algo, os espaços dedicados a saciar a fome e a sede das várias pessoas que por ali passam, alguns com vista para o lago Pichola, outros apenas para nos perdermos numa boa conversa, passarmos uns bons momentos a ler um livro ou simplesmente estar tranquilos. Como não amar Udaipur quando tanta beleza se desvela aos nossos olhos?
Já quase na hora dos últimos raios de sol, fui sentar-me nas escadas do Lal Ghat. Pude participar, enquanto observadora, do banho das crianças, das mulheres a lavarem a roupa e, ao mesmo, a lavarem o corpo, timidamente, sem se despirem. Depois, seguia-se o ritual de pentear os longos cabelos, um dos símbolos de beleza das mulheres indianas.
Enquanto estava sentada a ver o pôr-do-sol, fui abordada por vários jovens que me foram perguntando qual era o meu país. Se uns o faziam de forma gramaticalmente correcta (“Where are you from?”), outros limitavam-se a uma frase bastante básica (“Which country?”). Um deles, um condutor de rickshaw, acabou por se oferecer para me levar de graça ao museu Bagore-ki-Haveli. Às 19h havia um espectáculo quotidiano com música e dança tradicionais do Rajastão, incluindo até uma performance com marionetas. Bati palmas com vontade e cada uma delas representava a minha admiração por tão talentosos artistas. Registei um bocado de cada actuação.
O filme da saga James Bond, “Octopussy”, foi em grande parte filmado na cidade, em locais como o Monsoon Palace (não cheguei a ir lá devido a ficar situado no topo de uma colina) e o Lake Palace Hotel, na Jagniwas Island. À noite, enquanto jantava no terraço do Hotel Hanuman Ghat, pude ver o filme.
No terceiro e último dia, ao procurar uma caixa multibanco, passei pela galeria para conversar com o Gopal. Sabia que tinha de continuar a viagem mas, cada vez que pensava na partida, sentia que ainda precisava de explorar mais a cidade. Falei sobre isso com o Gopal e, na sua maneira filosófica, aconselhou-me a seguir o meu coração. Ele disse-me: “Ilóida, sometimes less is more”. Queria com isto dizer que, se eu estava feliz em Udaipur, poderia deixar os outros locais que pretendia visitar para mais tarde e ficar na cidade mais tempo. Como eu o compreendi e reflecti sobre as palavras dele ao longo do dia, à medida que o meu sentimento de querer ficar mais tempo se manifestava de forma mais forte.
Como ainda tinha o dia pela frente, fui visitar o jardim Saheliyon-ki-Bari. É um jardim que tem algumas fontes, elefantes em mármore e uma piscina de lótus. O jardim foi feito a pensar em 48 aias que faziam parte do dote de uma princesa que viveu na cidade.
À tarde, apanhei o barco para a Jagmandir Island. É uma ilha com um palácio que foi mandado construir em 1620. Diz-se que Shah Jahan poderá ter obtido alguma da inspiração para a construção do Taj Mahal, aquando da sua estadia lá, em 1623-24 durante a revolta contra o pai, Jehangir. A ilha dá-nos outra perspectiva de observação sobre o lago e a cidade. O palácio tem um espaço que inclui um hotel, restaurante, bar, café, e spa.
Como referi antes, não visitei o Monsoon Palace devido a ficar num local isolado. Outro local que não cheguei a visitar foi o Karni Mata Temple, também ele situado num local ermo. Trata-se de um templo dedicado a Karni Mata, considerada uma reencarnação da deusa Durga. Karni Mata é representada com ratos à volta dela e são vários os ratos que passeiam livremente e são alimentados com leite e outros alimentos nos templos onde se adora esta figura. Tive oportunidade de ver isto aquando da minha visita ao Karni Mata Temple em Deshnoke, perto de Bikaner.
Antes de partir, tive a oportunidade de me despedir do Gopal. Contei-lhe que tinha de continuar a viagem, apesar de sentir que ainda havia imenso a explorar e a desfrutar. À noite, no comboio com destino a Agra, as palavras que ele me tinha dito de manhã, “Ilóida, sometimes less is more”, ecoaram na minha memória. Provavelmente ele tem razão: saboreiam-se melhor as coisas aos poucos…
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