Não importa quantas vezes você vá, quanto tempo fique ou de que forma você percorra a cidade. Londres é sempre inédita. É um baita clichê dizer que sempre há algo de novo a conhecer e encontrar na capital inglesa, mas não existe frase que melhor defina a cidade do que seu ineditismo sempre renovado. Sua grandeza e diversidade fazem com que a cada esquina, a cada interação, a cada experiência gastronômica ou cultural o viajante seja levado a refletir sobre diversos aspectos da realidade local, da sua própria vivência no mundo e também suas raízes.
Para mim tudo começou quando desembarquei no aeroporto de Gatwick. Sou brasileiro, portanto, ao passar no controle de imigração entrei na fila “todos os outros passaportes”. Enquanto esperava reparei em alguns detalhes, com é o caso daqueles que não possuem um pedaço de papel (passaporte) que lhes categoriza como aptos a estarem naquele país ou continente. Freqüentemente respondem a diversas perguntas, muitas desagradáveis, outras nem tanto, tudo de acordo com seu país de origem, cor da pele, tempo de estadia ou razão da visita. Na minha frente uma mulher que falava espanhol foi obrigada a responder como e em quantas prestações pagou a passagem que ela comprou para estar ali. Ao lado, uma família de nigerianos com idosos inclusive, ao responderem que ficariam no país por cinco meses ouviram do policial: “Cinco meses? Bastante não?!”. Um amigo colombiano que hoje mora e estuda em Londres relatou que toda vez que passa pelo aeroporto lhe perguntam se ele é traficante de drogas e se está trazendo cocaína. No meu caso não tive problemas ou perguntas demasiadamente constrangedoras. Apenas por quanto tempo eu estaria ali, qual a razão da visita, minha profissão, e se eu já tinha passagem de volta. Já no trem indo para o centro da cidade eu fiquei me perguntando: o Reino Unido colonizou metade do mundo e hoje seus bancos e empresas lucram em todo o planeta. O que lhes dá o direito de dizer quem pode ou não pode entrar no país? Vale dizer que a crítica também se aplica a quase todos os países da União Européia. Ta ai um bom exemplo do como sair de casa nos faz pensar. [ ler artigo do El País ]
Chegando no centro de Londres toda aquela diversidade filtrada no aeroporto mostrava sua cara, seus aspectos mais plurais que fazem dessa cidade especial, rica e única se faziam presentes em uma caminhada de dois quarteirões. Saindo da Victoria Station e andando na direção da Westminster Bridge pude ver e ouvir diversas nacionalidades e línguas. Taxistas indianos, atendentes paquistaneses, turistas de todas as partes do mundo, manifestantes na Parliament Square. Em poucos minutos Londres mostrou seu painel multicultural das mais diversas formas.
Além das pessoas e suas origens, Londres nos estimula de diversas outras formas. Sua região central é extremamente cheia de gente, energia e vida. São turistas, executivos engravatados, artistas de rua, trabalhadores urbanos de todos os tipos. A região próxima ao Rio Tâmisa, na margem norte, é a mais visitada da cidade, pois concentra o Parlamento inglês, Big Ben, Palácio de Buckhingam, Convent Garden, Picadilly Circus, Trafalgar Square, Tower of London, St. Paul’s Cathedral e St. James Park. Entretanto, há muito além disso na cidade que se mostra cuidadosamente aos viajantes. O Southbank – ou a margem sul do Tâmisa – é encantadora, não apenas por seus museus e centros culturais, mas pela experiência cotidiana de uma Londres um pouco menos turística. Caminhando ao lado do rio se passa pela London Eye, uma atração cara mas imperdível. A vista da cidade lá do alto é linda e uma boa forma de enxergar, ou tentar enxergar, a grandeza da cidade. Um pouco adiante está o Southbank Centre, um centro cultural com diversas exposições de arte, fotografia, além de eventos culturais. Quando estive por lá rolou uma feira gastronômica espanhola. Seguindo a agradável caminhada se passa por pubs e restaurantes, além de alguns escritórios. A vista para a outra margem sem dúvida vale o passeio. Logo após o TaTe Museum, o mais importante museu de arte contemporânea do Reino Unido, está o Shakespeare Globe, um teatro que reproduz no exato local em que esteve um dia a casa de espetáculos onde o maior escritor e poeta da língua inglesa apresentava suas peças. Este é sem dúvida alguma um dos programas culturais imperdíveis em Londres. Com ingressos a partir de cinco libras, praticamente todo viajante tem acesso a alguns dos melhores espetáculos teatrais da cidade.
Logo ao lado está o pub “The Anchor” onde dizem que Shakespeare tomava suas cervejas quase todos os dias. É um ótimo lugar para tomar alguns pints, e provar os famosos fish and chips – não deixe de experimentar também as deliciosas tortas de carne inglesas. A partir daí é possível explorar um pouco mais o bairro. Não se pode deixar de conhecer o Borough Market, mercado que vende diversos tipos de queijo, pães, legumes e pratos de todo o mundo. Se você seguir caminhando pela mesma margem, por mais alguns metros, passará pelo HMS Belfast – navio militar da II Guerra Mundial que hoje serve de museu –, pelo novo prédio da prefeitura londrina, até que chegará a Tower Bridge. Um passeio que vale a caminhada.
Seguindo viagem se pode atravessar a belíssima Tower Bridge a pé – ao longo da travessia a vista para o rio é incrível e me fez pensar no como a cidade é extremamente ligada ao Tâmisa e no como ela se construiu a sua margem. O rio é parte da identidade da cidade, é ao mesmo tempo cenário e protagonista de uma cidade que se orgulha de suas águas, as utiliza e delas cuida. O movimento de barcos é frenético, as suas margens estão repletas de gente. Se pode dizer que conforme passa por Londres, por seus bairros distantes e pelo centro, o rio transforma e é transformado pela cidade. Se você quer aproveitar mais as possibilidades que o Tâmisa proporciona, um ótimo passeio é pegar um dos barcos que faz um serviço de ônibus aquático e navegar até Greenwich. Lá o viajante encontra o agradável Greenwich Park onde está localizado o Royal Observatory que marca a longitude 0° no planeta. Além disso, o bairro ao redor do Old Royal Naval College e National Maritime Museum é muito agradável e se encontram boas livrarias de viagem, assim como outras charmosas lojas com temas naúticos. Por fim, outra grande atração da região é o “Cutty Sark”, o famoso veleiro inglês que ganhou notoriedade no século XIX no comércio de chá com a China, onde regatas eram disputadas com outros veleiros na viagem de volta à Inglaterra. É possível visitá-lo e conhecer um museu que ajuda a conservá-lo.
Ainda pensando no como Londres se liga à água de uma maneira especial, na região norte da cidade está o Regent’s Canal. Este canal e seus meandros fazem com que o viajante pareça não estar nesta que é uma das maiores e mais movimentadas cidades do mundo. O percurso todo do canal tem cerca de 15 km entre “Little Venice”, ao norte do Hyde Park, e Limehouse, já nas Docklands. Quem estiver disposto a uma boa caminhada deve descer do metro em Paddington e seguir pelo canal em direção ao leste. Assim percorrerá boa parte do norte da cidade, atravessando o Regent’s Park onde se pode ver parte do zoológico. Mais adiante está a região de Camdem famosa por seus mercados e lojas relacionadas com o mundo da música e outros temas chamados de “alternativos”. É sem dúvida um bom lugar para uma parada e talvez um lanche já que são inúmeras as opções de comida, especialmente culinária asiática. Seguindo a caminhada, o trajeto passa por mercados, pontes, eclusas, armazéns, túneis, prédios vitorianos, casas modernas, barcos ancorados, uma paisagem bucólica. Vale dizer que é possível passear pelo canal em barcos. Após passar por Camdem e pela região de Kings Cross, o canal entra em um túnel e chega ao charmoso bairro de classe média de Islington, onde o viajante toma contato com uma Londres menos turística.
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