E se a escolha acertada para uma viagem deste tipo depende da vontade de cada um, o percurso actualmente efectuado entre as cidades de Assuão e Luxor, com uma duração compreendida entre quatro e cinco dias, é uma prova que lhe garante experimentar a realidade e vivências locais.

Sendo esta a sua opção, junto ao porto da cidade de Assuão, quase em frente da ilha elefantina, encontram-se atracadas falucas para quase todos os gostos: grandes, pequenas, com cores garridas, nomes curiosos ou inscrições surpreendentes. Assim, e procurando evitar os muitos intermediários que habitualmente esperam ganhar uma boa comissão à conta dos estrangeiros, a melhor solução é abordar directamente os marinheiros que se encontram junto ao cais, de forma a estabelecer as condições da viagem e acordar o preço a pagar. O itinerário pode ser definido antecipadamente por si ou em conjunto com o capitão, mas não se esqueça que você é que manda, por isso, pare onde quiser e veja os locais durante o tempo que desejar. Habitualmente a partida é marcada para o dia seguinte, mas há sempre a possibilidade em tudo estar preparado num bom par de horas. Não se esqueça também de incluir no preço os alimentos a confecionar a bordo e a água potável, pois evitará surpresas e demoras de última hora. A água engarrafada é habitualmente por conta dos passageiros. Igualmente importante é aferir qual o número de tripulantes afectos à viagem que deseja empreender. Habitualmente é composta por um mínimo de duas pessoas: o capitão que assegura a navegação e um ajudante para confecionar as refeições, fazer limpezas e manobrar a vela.

Apesar de algumas embarcações demonstrarem aparentes diferenças, muito pouco irá introduzir alterações significativas ao seu comportamento em termos de navegabilidade. Na grande maioria dos casos, sobre os bancos rebaixados de madeira, instalados estrategicamente junto à borda do casco, são colocadas almofadas que elevam ligeiramente a fasquia do conforto e introduzem alguma cor sobre o esmalte branco que cobre a madeira envelhecida. No centro está instalada uma mesa que é o centro de vida a bordo, ocupa parte significativa da superfície da faluca e serve virtualmente para tudo: descontraídas conversas, deliciosas refeições, períodos de introspecção e até de aconchego para o sono profundo da noite. Há também um enorme toldo, esticado por quatro varões metálicos, que cobre a mesa central e protege dos calorosos raios solares do verão. A regra de ouro é procurar uma faluca em bom estado de conservação e que lhe demonstre confiança. E caso a embarcação da sua eleição não seja pertença do capitão escolhido, não se preocupe porque ele irá negociar a sua utilização junto do legitimo proprietário.

Já instalado a bordo, deixando para trás o frenético movimento naval junto à cidade, é com grande rapidez que a calma das águas mansas se apodera da faluca. A magia da paisagem destolda a imaginação de cada um, tal é a beleza da exuberante vegetação nas margens e a magia das areias doces do deserto do Sara. Ziguezagueando entre as margens onde cresce a planta do papiro, a progressão faz-se lentamente, conforme a vontade do vento e da corrente. As hortas, os campos repletos da cana-de-açúcar e os grandes palmeirais, acompanham a suave imersão nos hábitos e vida do povo núbio que, ora puxa rudimentares arados de madeira, ora lança redes em busca das inúmeras espécies que habitam o ecossistema do rio. As crianças, que correm junto às margens na perseguição dos íbis e mergulhões, aproximam-se sorridentes e lançam os seus pregões na expectativa que lhes seja oferecida mais uma caneta. Contudo, e ao contrário do que habitualmente acontece nas grandes cidades, a recusa é aceite com naturalidade, restando o sorriso luminoso estampado nas faces que se perfilam para a fotografia e são o deleite dos fotógrafos.

Pontualmente, a movimentação ascendente e descendente dos cruzeiros, cheiros de turistas que acenam impulsivamente, interrompe o silêncio e a tranquilidade que se vive a bordo. O risco de abalroamento é muitas vezes olhado como uma realidade inevitável, mas a mestria do capitão encontra sempre o rumo que contrasta com a tragedia anunciada. Fica o rouco e prolongado apito do colosso de ferro, bem como a força da sua passagem, que eleva subitamente a ondulação e fá-la assemelhar-se a vagas de alto mar. As águas, muito convidativas a banhos, dizem-se cheias de bactérias e micro-organismos perigosos para a saúde, sobretudo para quem não está habituado ao seu contacto. Todavia, desde que não ingerida, parece não haver um número muito elevado de relatos onde esta água, portadora de vida e fertilidade, seja responsável por graves problemas de saúde em estrangeiros. Os crocodilos, imortalizados pelos antigos egípcios sob a forma do deus Sobek, há muito que também não se banham por aqui, pois foram capturados e levados para lá da grande barragem de Assuão – os interessados em avistar este curioso animal, actualmente só o podem fazer no lago Nasser.

faluca no nilo junto a dunas
As areias doces do deserto do Sara são parte integrante da paisagem
por-do-sol desde faluca
O pôr-do-sol implicar fundear, mas antecede extraordinárias noitadas de conversa