À chegada, não se dá nada pelo local. Uma casa construída ali deixa-nos espantados. Um antigo restaurante, com salão de massagens, que fechou por falta de clientela (nem sei como é que esperavam tê-la…), que agora serve como depósito e refúgio da chuva para alguns dos chaskis. Mas o que vale mesmo a pena são as ruínas de Wiñaywayna. Construídas totalmente numa colina, são as maiores ruínas do Caminho Inca, e num estado de conservação fantástico, apesar da localização delicada numa encosta na selva peruana onde chovia e a humidade era elevada em grande parte do ano. Havia um silêncio em todo o complexo que nos deixou apaixonados pelo sítio, apesar da pouca luz. Deixando que o sol se ponha, se tiverem a sorte de apanhar um céu sem nuvens, nem precisam de ter câmara fotográfica. Basta irem às ruínas durante a noite e apreciarem o céu mágico que se coloca, com o relevo negro das montanhas e o céu estrelado que se pode observar ali e noutros pontos do Caminho…
No último dia de caminhada, há que acordar bem cedo. O portão de controle para nos deixar entrar no último trecho de caminho abre às 5h30 e todos os grupos querem ser os primeiros a entrar, para serem os primeiros a chegar ao Intipunku, o Portão do Sol. Além disso, era importante chegar à hora do nascer do sol, para podermos observar o sol a banhar a cidadela em todo o seu esplendor. Bom, isso se as nuvens deixarem, pois elas são muito caprichosas…
O caminho até ao Portão do Sol é feito num ambiente de selva tropical, húmido, num caminho por vezes estreito e cheio de vegetação. Em virtude da chuva do dia anterior, estava escorregadio, e como não havia barras de segurança para nos proteger de uma queda que seria, provavelmente, a última que dávamos com vida, o avanço tinha de ser feito com algum cuidado. Ao passarmos por uma zona com fitas, o nosso guia explicou-nos que ali tinha morrido um homem, que tinha sido empurrado pela sua namorada ribanceira abaixo. Tinham discutido durante o caminho e a coisa resolveu-se ali. Encostámo-nos todos mais à encosta e lá seguimos o caminho.
Quando o terreno começa a subir ligeiramente, vemos os muros do Intipunku e cresce a vontade de correr encosta acima. Mas os pulmões não deixam, e é no mesmo ritmo lento que nos acercamos do Portão do Sol, e contemplamos Machu Picchu, três dias depois de uma caminhada extenuante, que nos leva aos limites. Apesar dos gritos de alegria ao meu redor, fiquei em silêncio. Respirava com dificuldade, e apoderou-se de mim uma sensação única. Os olhos ficaram vidrados naquela pequena cidade no fundo do vale e chorei… Toda a preparação, toda a ansiedade, todo o cansaço do Caminho Inca, tudo se resumia àquele momento. O sol não brilhava, mas a cidade pareceu-me mais bela que nunca. Era mais do que eu esperava, era mais do que eu imaginava.
Com o coração cheio, desci a Machu Picchu. Era tempo de explorar a cidade, fugir da horda de turistas e subir a Wayna Picchu, para poder ter uma vista privilegiada do condor que é Machu Picchu.
A cidadela de Machu Picchu é mágica. Ou melhor, seria, não fosse estar apinhada de gente. Com uma média de 3 mil visitantes diária, é impossível sentir a magia e o apelo da cidade no silêncio contemplativo em que fazemos todo o Caminho Inca. A solução poderá ser perder menos tempo de contemplação no Portão do Sol e descer de imediato à cidade, procurando visitar quando os turistas dos autocarros ainda não chegaram. Se algum dia voltar a fazer aquele caminho, é o que farei…
A cidade foi construída usando a própria pedra da montanha. Inteligentes, os Quechua evitaram grandes deslocações de materiais, limitando-se a construir de um lado e a retirar pedra da montanha do outro. Com isto fizeram casas, templos, terraços agrícolas, um aglomerado construído com o intuito de louvar ao Deus Sol. Por isso, no dia do equinócio, os raios de sol penetram pelo portão do sol e refletem diretamente na pedra do Templo do Sol, colocado no centro da cidade. É um espetáculo que deve ser único, razão pela qual esta é a primeira data a esgotar no calendário do caminho Inca para Machu Picchu.
Voltando à cidade, são muitos os locais que valem a pena visitar. Todos, aliás, inclusive uma ponte que fica escondida num dos cantos da cidade, após percorrer um caminho. Não fui lá, mas aconselharam-me vivamente. Aliás, depois de 3 dias de caminhada, só o andar pelo meio das ruínas faz todo o sentido e enche-nos de uma paz incrível.
Depois da visita, descemos de autocarro para Aguas Calientes, a localidade mais feia de todo o Perú. Aguas Calientes é uma localidade que surgiu junto do Rio Urubamba para servir de apoio a quem visita Machu Picchu. Vive essencialmente do turismo, é caríssima, não tem nada para se visitar, é chegar, comer e esperar ansiosamente pelo comboio que nos tire dali para fora. Não fomos sem antes provarmos o melhor Pisco Sour da cidade, segundo o Javier. Não sei se era o melhor, mas que era fantástico, lá isso era…
O regresso a casa é feito de comboio até Ollantaytambo e depois de autocarro, já que uma derrocada sobre a linha impede que o comboio siga até Cuzco. O que é uma pena, diga-se, já que o comboio é super luxuoso (e paga-se bem, porque uma viagem custa cerca de 80 dólares). Depois de três dias a caminhar pela montanha, esta viagem pelo vale num comboio que até tem teto panorâmico para se ver as montanhas soube que nem ginjas…
Para quem pretende ir a Machu Picchu e fazer o Caminho Inca (não o fazer é quase criminoso), tenham atenção à reserva e às empresas que utilizam. Muitas falar-vos-ão de outros caminhos para Machu Picchu. Não vão na cantiga do bandido. Serão fantásticos, não tenho dúvida, mas não vão para Machu Picchu. Terminam todos em Aguas Calientes, e depois dali sobem no dia seguinte para Machu Picchu de autocarro. Acreditem que não é a mesma coisa…
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