Fazer o Caminho Inca é muito mais do que caminhar. É aprender sobre uma cultura, é purificar a alma. Isso ficou claro logo nos primeiros momentos da caminhada, quando ficamos isolados e apenas vemos montanhas de todos os lados.
Apesar de dizermos que percorremos o Caminho Inca, apenas a partir do terceiro dia é que percorremos literalmente o Caminho original, feito pelos Quechua. Antes disso o Caminho foi reconstruído no trilho original, já que os Quechua o tinham destruído para que os espanhóis não pudessem encontrar a sua cidadela. Para isso contaram com a ajuda da Pachamama, a Mãe Terra, que cobriu o caminho com uma vegetação espessa que dificultava a progressão e escondia os rastos. Foi assim que durante tantos anos se manteve em segredo este local e este caminho.
Fazer o Caminho Inca encerra também o privilégio de ver sítios arqueológicos de ruínas que mais ninguém consegue ver. Em virtude da inacessibilidade que existe, só o número limitado de pessoas que faz o Caminho é que vê todos os sítios de que irei falar. O primeiro deles é Llaqtapata, situado a 2650mt de altitude. É o único sítio que vemos à distância, pois estamos no cimo da encosta contrária, e chegar lá abaixo seria um esforço extra que os guias não permitem.
No Vale Sagrado os Quechua desenvolveram muito a agricultura, devido aos diferentes micro-climas no Vale. Os Quechua usavam os socalcos e as montanhas para cultivarem diferentes tipos de batatas. No mercado de Cusco encontram-se 60 ou 70 tipos diferentes de batatas ainda hoje em dia.
O segundo dia de Caminho é o mais penoso. Fazemos uma subida dos 3000 metros aos 4200 metros em pouco mais de 5 kms, o que significava uma subida com um grau de inclinação muito grande. Íamos sair às 7h e deveríamos estar no topo de Warmiwañuska, ou Dead Woman’s Pass, por volta das 12h. A subida é dura, penosa e lenta. Mas a chegada ao topo, meus amigos, é do mais recompensador que existe. Conseguirmos superar os nossos limites, ultrapassar barreiras que julgávamos impossíveis de conseguir é a melhor recompensa, logo a seguir à vista extraordinária que dispomos ali. A partir daquele ponto, é sempre a descer até aos 2400 mt a que fica Machu Picchu. Porque até na localização os Incas foram inteligentes: a cidade de Machu Picchu fica no topo de uma elevação, mas rodeada por montanhas muito mais altas de todos os lados, que escondem esta preciosidade de olhares indiscretos.
Depois do descanso merecido, o terceiro dia revela-se o mais instável. É a partir daqui que entramos na selva e apanhamos o caminho original. A incerteza climatérica junta-se à elevada humidade para proporcionar cenários imprevisíveis. Não sabemos se vamos ter boas vistas, ou um nevoeiro que nos bloqueia a visão após a curva do caminho. Mas sabemos, no entanto, que veremos locais espantosos. Desde logo, Sayaqmarca (3580 metros de altitude), a Cidade Inacessível. Construída como que a sair da encosta, é impossível aceder à cidade sem ser pelos 98 apertados degraus construídos pelos Quechua. Ninguém sabe que cidade era esta, mas tem um templo do Sol, está construída numa encosta inacessível, pelo que deve ter dado muito trabalho a fazer, tem numa das montanhas por trás uma janela de pedra que aponta ao templo, e um complexo sistema de abastecimento de água serve todo a cidade. Por isso, não acredito que fosse apenas um ponto de passagem para Machu Picchu, apesar de ser essa a utilidade que alguns historiadores lhe atribuem.
Passado este ponto, entramos oficialmente na selva e a humidade faz-se sentir de imediato. A próxima paragem é o miradouro de Phuyupatamarca onde se pode ver, pela primeira vez, Machu Picchu. Mas isso é se não estiver um nevoeiro cerrado. As ruínas de Phuyupatamarca, a 3640 metros de altitude, um pouco mais abaixo, são lindíssimas de se ver, se não estiver a chover copiosamente em cima de nós. No nosso caso estava, pelo que a Cidade nas Nuvens ficou vista de relance apenas. A cidade tem um complexo sistema de abastecimento de água que ainda hoje funciona, e umas termas que serviriam para banhos cerimoniais, que quem possa visitar deve visitar e vir aqui acrescentar esse testemunho nos comentários.
Daí é sempre a descer até chegarmos a Wiñaywayna, a 2650 metros de altitude. Cheio de degraus escorregadios, se tiverem a infelicidade que o nosso grupo teve de ter chuva a cair sem piedade, a vegetação escorregadia torna o caminho muito perigoso. Em cada curva, ansiávamos pela vista do acampamento, mas nada.
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