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    Categories: Opinião

Um Ano Americano

Nem todos os anos são anos americanos, mas as presidenciais norte-americanas implicam esse estatuto. Provavelmente nunca antes o processo eleitoral dos Estados Unidos (EUA) merecesse cuidados acrescidos. Há tanto em jogo. Domesticamente, mas sobretudo no plano externo. Aproveitei duas semanas de Julho para medir a tensão desta grande nação, caldeirão de virtudes e contradições. Deambulei por Princeton, mesclei-me em Nova Iorque e rematei a viagem em Filadélfia, onde Hillary Clinton fez valer os seus argumentos no Democratic National Convention. Como bom americano que sou, provenho de outras paragens. A minha família chegou à América em 1848, vinda da Alemanha. E esse mantra repete-se. Essa condição é a imagem de marca. Essa excentricidade é a espinha dorsal da federação americana. A nação americana não existe – ela é a soma do mundo. E Trump tarda em entender o ADN do país que lhe concedeu todas e mais algumas oportunidades. Ao falar com compatriotas do Gana, do Mali, da República Dominicana, de Israel ou de Itália, retenho o denominador comum – a manifestação do sentido de esperança, trabalho e recompensa que norteia as suas vidas. O sonho americano existe mesmo. A intensa diversidade, que polvilha a paisagem interior dos EUA, implica tratos acrescidos de respeito na interacção e nos diálogos que se estabelecem. Não existe outro país à face da terra onde as aparências mais possam iludir. Não é aconselhável fazer uso da régua europeia de estatuto social para tirar as medidas ao estranho que se nos passa pela frente. A fórmula pode sair largamente furada. Um país que já decretou o seu próprio Apartheid sabe que existem caminhos que não podem ser trilhados, mas que por vezes são revisitados. Sim, os EUA tem um sentido de história, mas padece igualmente de um sentimento ilusório de auto-suficiência – faz-se valer, por vezes mais do que a conta, de um certa arrogância de meios. Sabem onde fica a Europa. Ouviram falar do Brexit. Seguiram com atenção o ataque terrorista em Nice, mas a distância emocional e geográfica é a mesma. Fica longe. E o mercado interno norte-americano, onde os consumidores se distraem, é um monstro que se profetiza a cada crash e boom bolsista. O resto são elementos decorativos do outro lado do lago.

New York, New York.[/caption]

Os estereótipos que assolam os nossos espíritos devem ser afastados sem demoras. Um modo eficaz de anular os preconceitos, que viajam em fogo cruzado entre a Europa e o Novo Mundo, será lançarmo-nos à estrada. Não é necessário percorrer o Route 66. Basta parar e olhar. E concluir que as pessoas são as mesmas onde quer que nos encontremos. Não obstante este desejo lírico, sei que a partir de Novembro o mundo poderá não tornar a ser o que era. Mas será tudo uma questão de grau. Os Estados Unidos, para bem e para mal, continuarão a estar presentes no quotidiano daqueles que prometeram nunca prestar vassalagem à superpotência. O soft-power projecta-se e entranha-se na vida alheia. Quando puderem, visitem os EUA. Vão sentir-se em casa.