Foi logo no dia que chegámos a Gergeti. Por gestos, lá conseguimos fazer saber ao nosso anfitrião nesta remota aldeia georgiana que queriamos ir lá acima, à igreja, assim que possível. O velho César, pele curtida pelos muitos anos de vida díficil que leva em cima, olhar amargurado do muito que já viu, não se fez rogado. Ao volante do todo-o-terreno japonês que o filho, emigrado algures na Europa Ocidental, deixou ao seu cuidado, tratou de satisfazer o desejo imediato dos seus hóspedes.
Depois de atravessar a aldeia, cumprimentando tudo e todos, César ataca um caminho de terra batida, pejado de crateras e atravessado por mares de lama. Sentado no lugar da frente, arrepio-me a cada instante com os obstáculos que julgo instransponíveis, mas que ele ultrapassa sem uma hesitação, gestos automáticos, mão na alavanca de mudanças, pés nos pedais da viatura.
E de repente estamos lá. A igreja da Santa Trindade aparece à nossa frente. Foi construída no século XIV, a quase 2200 metros de altitude, mas a parede montanhosa que se ergue por detrás dela faz-nos sentir ao nível do mar. Segundo o autor georgiano Vakhushti Batonishvili (sec XVIII), em momentos de perigo para a nação, as mais preciosas relíquias, habitualmente à guarda da catedral da antiga capital, Mtskheta, eram trazidas para esta igreja. Compreende-se facilmente porquê, ao pensar que, apesar dos meros 90 km que nos separam agora de Tibilissi, foram precisas seis horas ao volante para aqui chegar. Apesar de tudo, essa precaução talvez fosse hoje inútil. A actual ameaça à nação georgiana vive apenas a meia dúzia de quilómetros daqui, e a tensão sente-se no posto fronteiriço que marca o fim da Geórgia e o início da Rússia.
Durante a era soviética a actividade religiosa foi proibida, mas o local permaneceu popular, sempre visitado por viajantes, especialmente russos. No dia em que conheci Gergeti um grupo de jovens tinha subido por um atalho, a partir da aldeia, lá em baixo. Entusiasmados pela presença de dois ocidentais por aquelas paragens, pediram para tirar umas fotos conosco, antes de iniciarem o trajecto descendente. Também para nós se fazia tarde. O vento gélido, que ao chegarmos não era mais que uma brisa, soprava agora com força redobrada, e o sol ia descendo sobre as montanhas. Em casa, a esposa do bom César preparava-nos um faustoso jantar. Era hora de partir.
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