O nome evoca desde logo imagens de um passado clássico. Antioquia, essa mítica cidade da Ásia Menor, tantas vezes citada e descrita por cronistas viajantes, fascinados pelos seus bazares e costumes exóticos… e Santa Fé, nome de povoado em histórias de cowboys e rebeldes mexicanos, uma toponímica vinda de um qualquer Os Sete Magníficos. Mas este lugar de que hoje vos falamos, apesar de tocar mesmo assim no imaginário, fica na Colômbia e, portanto, não tem uma relação direta com o mágico oriente ou com cavaleiros de sombreros e tiras de munições à tiracolo.
Antioquia é o nome da região, e Santa Fé, muito antes de Medellin ter ocupado o seu lugar, foi capital da província. A revolta contra a metrópole castelhano foi ali inflamada, e, independência declarada em 1813. Sucederam-se campanhas militares, mas não havia nada a fazer. Antioquia tinha cortado o cordão umbilical a Espanha e até 1826 Santa Fé foi a capital de um novo Estado soberano.
Nada disto será imaginado pelo visitante casual que sair do autocarro proveniente de Medellin. Abrem-se as portas e um calor brutal abraça o recém-chegado. O trânsito é caótico. Estamos na estrada nacional, que passa à margem da pacata vila.
Agora é preciso apanhar uma das ruas que sobe suavemente em direção ao centro histórico, procurar um alojamento onde possamos recuperar do choque térmico e usufruir de um reconfortante duche. Frio, porque essa é a norma nestas terras quentes.
Para quem é da minha geração, colheita de meados dos anos 60, e conheceu o Alentejo de então, Santa Fé traz algo que desperta a memória. O calor asfixiante, o temperamento provinciano, a urbe rural. Penso no Cercal de Alentejo do início dos anos 70, talvez em Grândola. São os milagres da carga genética cultural. Tudo isto foi concebido por espanhóis, provavelmente andaluzes, e o parentesco com o nosso sul é evidente. Resulta em casas brancas com um toque de cor nas cantarias e barras térreas. Em arruamentos lineares, feitos de traços paralelos e perpendiculares. A diferença está nas grades das janelas. Não porque estejamos na Colômbia e a criminalidade seja altíssima – que se o é não se nota, muito menos aqui – mas porque por alguma razão as barras de ferro se tornaram imagem de marca no casario andaluz.
A praça central, chamado por estas paragens de parque mayor é o núcleo da cidade, o lugar onde tudo se passa, onde se vai para ver e ser visto. Em seu redor perfilam-se inúmeras esplanadas e os melhores hotéis encontram-se aqui, instalados nas mais esplendorosas casas de uma nobreza de tempos idos.
É também deste ponto que partem os autocarros locais – que os outros, para Medellin e paragens mais distantes têm uma pequena estação junto à estrada principal – viaturas de fantasia, camiões há muito transformados para estas andanças, com caixas abertas, como os elétricos do século passado. São profusamente decorados, e diz-se que em muitos casos o esmalte devidamente pintado custou mais aos proprietários do que tudo o resto. Enfileiram a um dos cantos da praça, criando um formigueiro de atividade em seu redor. São os que partem, os que se vêm despedir, os que acorrem a saber novas da aldeia de origem… e os carregadores que trepam para o tejadilho, atarefando-se a acomodar toda a carga. As pessoas esperam, pacientes. Há homens vestidos há moda antiga, de chapéu, botas altas, manta dobrada sobre o ombro – apesar de estarem quarenta e tal graus – e catana pendurada à cintura.
O parque mayor é um excelente ponto de referência e de partida para a exploração do resto de Santa Fé. Dali podemos caminhar por ruas ladeadas de palácios urbanos que não temos dificuldade de associar a pomposos nomes castelhanos: e se ali tivesse vivido Don Pablo de Lasso de la Vega? E acolá, teria sido a casa de Rodrigo Mendéz de Sottomayor? Os seus pátios são sumptuosos, adaptados às necessidades dos tempos modernos. Muitas destas magníficas habitações foram transformadas em estabelecimentos hoteleiros, algumas são sede de instituições e um punhado é ainda propriedade privada.
Visitamos as igrejas e capelinhas, em número considerável, e uma outra praça, mais pacata e tranquila, de dimensões menores, mas com um certo charme. Podemos parar para um batido ou sumo de frutas numa das dezenas de casas dedicadas a este negócio. O calor é muito, o suor escorre e os habitantes de Santa Fé bebem limonadas e outras iguarias líquidas a grande ritmo.
Depois de calcorreadas todas as ruas de Santa Fe – o que se faz num dia bem preenchido – muito guardaremos na memória: o branco alvo das casas, os infinitos tons decorativos aplicados nas fachadas, o empedrado de calçada dos pavimentos. As lojas rústicas, que vendem ferraduras, selas, catanas, aparelhos de montaria e outros instrumentos que por cá já deixaram de se ver há largas décadas. O trânsito intenso feito quase exclusivamente de motas, a fazer lembrar as ruas de Hanói, em pequena escala. E as oficinas de carpintaria, os telhados de colmo, o militar que se dirige para casa de arma ao ombro e telemóvel ao ouvido, as meninas em uniforme que regressam da escola.
Terminada a jornada com a aproximação da noite, regressamos à praça central onde a escuridão cai, dominando a escassa iluminação pública. É numa penumbra profunda que os clientes nas esplanadas encomendam mais uma cerveja. Alguns ébrio cirandam, cantando e balbuciando. A música impera. De cada café saem acordes de temas com uma sonoridade que no nosso imagnário se prende mais com o México do que com a Colômbia.
Ao serão já as ruas estão desertas. O enxame de motorizadas recolheu-se. Algumas lojinhas de esquina estão abertas até mais tarde. As pastelarias são limpas e arrumadas para um novo dia. E Santa Fé de Antioquia retira-se para dormir.
Aspectos Práticos
Para chegar a Santa Fé deverá tomar o autocarro desde o Terminal Este de Medellin. E ali poderá chegar diretamente a partir do aeroporto. Se vem de Bogotá, poderá usar um voo de baixo custo da VivaColombia! que tem mesmo muito baixo custo, podendo ser tão barato como 15 Eur. Já para chegar à Colômbia, o melhor será consultar os voos mais económicos no site da Rumbo. O clima por estas paragens é muito estável, não há propriamente uma melhor altura para visitar. Quanto a alojamento, sinceramente, não precisa de se preocupar com marcações prévias, até porque quase nenhum dos muitos estabelecimentos disponíveis têm presença online. Há-os para todos os gostos e orçamentos e com facilidade o visitante encontra na hora um refúgio adequado.
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