Praga é isto mesmo, uma cidade verdadeiramente mágica, com lendas e estórias fabulosas a cada esquina, um local onde se pode sonhar, deixar escapar o espírito para outros tempos, viver noites de folia boémia, conviver com Kafka e Einstein, frequentar cafés que nos transportam para o passado, caminhar por ruas que viram amores e sangue correr de igual forma sobre o seu empedrado. Mas atenção! Praga não é para todos.
No fundo isto prende-se com imaginários individuais, referências construidas ao longo de vidas repletas de informação. Somos pequenitos, ouvimos conversas de adultos aqui e acolá e vamos absorvendo. Associamos locais e culturas a marcas positivas ou negativas que nos chegam como ecos de um mundo que não é ainda o nosso. Depois, vamos crescendo, começamos a escolher leituras e filmes, e continuamos a receber esse caudal de informação que fará de nós o que somos. E o que esperamos viver e ver quando viajamos. Ora, claro, para sentir Praga, é absolutamente necessário que tenhamos em nós a semente que germinará, abrindo-nos as portas para o pleno usufruto desta cidade única.
Praga, como qualquer urbe, é feita de níveis sobrepostos, constituidos numa trama complexa que desafia o visitante. Para quem chega de fora, o primeiro nível é o da Praga dos postais ilustrados, a cidade de fadas e maravilhas. É a Praga da praça antiga, da ponte Karlovo, do castelo. Mas é também a dos empregados enfastiados, dos preços inflacionados, dos cambalachos, dos grupos de turistas em magote, das lojas de recordações, dos carteiristas. É um mundo nuclearmente belo mas revestido com uma camada significativa de fealdade.
Depois, há uma segundo anel, o da cidade ainda clássica, contudo mais afastado do centro e portanto preservado de todos os malefícios que germinam onde existe o turismo intenso. É onde os checos vão aos Sábados à tarde, usufruir da cidade que é a sua, abdicando daquele pedaço central que foi perdido, talvez para sempre, para a globalização e para as viagens baratas. É a Praga de Vysehrad, do parque Stromovka, de Vinohrad e Zizkov. É ali que o famigerado mau-humor dos checos se atenua, longe do desgaste causado pela constante horda invasora de estangeiros, e que se pode observar a vida quotidiana dos habitantes da cidade… os namorados que se abraçam num banco de jardim com vista sobre o rio Vltava, as avós “babadas” que passeiam os netos pelos caminhos dos parques, os amigos que jogam futebol num relvado.
O terceiro nível, raramente observado pelos visitantes, encontra-se nos bairros dormitórios, aqueles depósitos de gente de construção duvidosa, os “sídliště” (sim, existe uma palavra em checo para designar bairro-dormitório) onde se encontram os famigerados “panelac”. São edíficios pré-fabricados em placas de betão (painéis, panels, daí o nome), símbolo do periodo de influência soviética e um poderoso estigma social: ninguém quer admitir que vive num deles, há uma vergonha colectiva, um sentir de desfavorecimento social. Mesmo assim nenhum destes bairros é uma zona negra, uma daquelas áreas de uma cidade onde será melhor não ir. Ou seja, será um local interessante para o viajante curioso que deseje ver mais de perto o ambiente residencial dos habitantes locais.
Apresentada a estratificação espacial da cidade, ficam por descrever os aneis que se entrelaçam nestas áreas físicas. Quem é que vive nesta urbe? O que fazem, como vêem o mundo? Como passam os tempos livres? E que lendas, que estórias contam às crianças em redor do fogo? Como funcionam os meandros do crime? Quem controla a cidade? Quais as raízes profundas de comportamentos colectivos, como a hostilidade perante o estrangeiro? É apenas aqui, quando se começam a colocar estas questões, que a diversão se inicia.
Podemos passar anos a passear pelas fascinantes ruas de Mala Strana, subir inúmeras vezes ao castelo ou explorar os trilhos pedestres da clina Petrin. Será sempre um deleite. Ver as águas daquele rio que não páram de correr enquanto a juventude de Praga se estende ao longo das margens na sua função social, sentir a estética omnipresente na Praga clássica, desde a decoração única de cada café ou bar, até à forma como o merceeiro alinha escrupulosamente os vegetais e frutas em caixotes pintados com garridas cores… tudo por lá transmite um gosto pelo belo que não deixará ninguém indiferente.
E depois, há a maravilha das quatro estações, numa cidade que tem muito de parque natural (é possível sair de casa, apanhar um eléctrico, viajar durante 10 minutos, sair, andar 5 min e estar-se no meio da natureza, num ambiente onde até um veado selvagem pode ser surpreendido ao virar de uma curva no trilho).
Começo pelo Outono porque foi num mês de Outubro que começou esta história de amor com Praga. E por esta altura acontece aquele milagre de côr, com as ruas e parques – que são muitos e vastos – a tingirem-se com os tons quentes que anunciam o Inverno. Caminhar por uma floresta coberta por um tapete sem fim de folhas caídas é algo que não pode ser totalmente transmitido por palavras… é como navegar num oceano em terra, num mar vermelho a perder de vista, onde as tempestades são feitas de flocos vegetais que rodopiam em nosso redor.
E segue-se a invernia, fria, cinzenta, triste…. mas que tem sempre algo para dar, como um passeio pelos bairros mais antigos, limpos de turistas pelas temperaturas negativas, vivendo enfim a paixão sem o ciúme da partilha com outros. É a única altura em que se pode atravessar a praça da cidade velha em completa tranquilidade, sentindo a neve a estalar sob os pés, vendo a condensação do nosso bafo renovar-se a cada momento, enfim, inspirando a magnitude daquele espaço em paz. É uma boa altura para entrar numa livraria clássica, esfolhear livros, sentir o odor a papel antigo, escolher um volume em inglês sobre Praga e encontrar um café com lareira e vista sobre a cidade onde usufruir da obra escolhida com um chocolate quente por companhia.
Findo o Inverno chega a Primavera e com ela um bulicio matinal, de uma cidade que acorda para um dia feito de três meses. É ali que se sente a cidade a renascer aos primeiros dias do novo ciclo, o palpitar de vida que se segue aos meses escuros e tristes de Inverno, quando as pessoas saem para as ruas cheias de vitalidade, enchem parques e bares, inventam diversões, passam tempo umas com as outras, saem para fins-de-semana nas populares casas de campo, para expedições que atravessam vales e montanhas.
Por fim, o Verão, essa festa ininterrupta onde se respira um ambiente de total descontração. O ritmo da vida diminui, o stress deixa a cidade, as pessoas andam despreocupadas, os parques estão cheios, tudo está cheio, repleto de vida.
Apresentar Praga, na generalidade, num mero artigo, não é tarefa simples. Um coração apaixonado começa a escrever e sabe que parar será um problema. Há sempre algo mais a dizer, uma nuance a apresentar, uma recomendação a fazer. Como sintetizar numas quantas linhas a alma de uma cidade como está… será talvez impossível. Mesmo assim, espero que ao passar os olhos por este texto o leitor sinta curiosidade. E se for um dos que foi e não gostou – que os há, e tantos – então talvez o tenha convencido a dar uma segunda oportunidade a esta cidade cujo principal problema, para o visitante, é ter uma personalidade demasiado forte.
Pode voar para Praga a partir de Portugal através de uma série de opções. Desde voos directos até ligações menos convencionais, com mudanças em vários pontos da Europa… para cobrir todos os gostos, na página da Rumbo existem sempre voos baratos para todo o mundo. Se quiser ler mais sobre Praga há sempre o Visitar Praga, um projecto pessoal do autor deste artigo.