Nem me lembro bem quando é que a referência ao museu Rahmi Koç me passou em frente aos olhos. Preparava uma viagem ao Curdistão Turco, com passagem por Istanbul e por essa altura devorava toda a informação que ia apanhando. Durante muito tempo o museu não passou de um rabisco perdido como uma baixa prioridade das coisas a fazer na grande cidade. O artigo que tinha lido falava de um museu de carros clássicos. Vagamente interessante, mas não ficava propriamente de caminho para nada e era um museu. Ao contrário do comum dos mortais, não me interesso muito por museus. Talvez por ter trabalhado num durante demasiado tempo.

E como uma obscura nota perdida nas páginas do meu moleskine teria ficado, não fosse ter-se dado o caso de estar de regresso do Curdistão e numa fase de descompressão que pedia um dia relaxado. Ora, “relaxado”, logo, “museu”. Fazia sentido. Meti na cabeça que havia de ir e comecei a investigar.

Um aspecto da principal sala com carros clássicos do museu Rehmi Koc
Um aspecto da principal sala com carros clássicos
Uma coleção de chapas de matrícula dos diversos estados dos EUA.
Uma coleção de chapas de matrícula dos diversos estados dos EUA.

Logo à chegada sente-se uma aura positiva. O segurança é gentil, a moça que nos vende o ingresso não o é menos. São 5 Eur. Valeria com facilidade quatro vezes essa quantia, mas são uns meros 5 Eur. A partir dali o visitante penetrará num universo de pura magia. É um espaço onde o imaginário dos adultos encontra um interlocutor, memórias revividas, de vidas reais e de referências literárias, cinematográficas, televisivas. Uma espécie de universo de Peter Pan, a terra onde se é criança para sempre. Aqui, podemos ver com os próprios olhos objectos que povoavam as histórias que fizeram a nossa meninice. Cada um terá as suas influências. Para mim, andar pelas salas do museu Rahmi Koç foi voltar a desfolhar as páginas das  National Geographic e das Popular Mechanics do meu pai, mas sobretudo sentir renascer a curiosidade que se crê ser própria das crianças.

Vibrei com os carros antigos, com as casinhas de bonecas do século XIX, com o veleiro usado por um casal de aventureiros turcos para circumnavegar o mundo e com a coleção de objectos que doaram ao museu, com o cockpit do avião de transporte de passageiros onde até a reprodução de comunicações é usada para recriar ambientes, com o submarino atracado na orla do museu. Há de tudo e uma das chaves para compreender o impacto do museu é o espanto renovado a cada momento. Quem visita pela primeira vez descobre este espaço numa sequência de surpresas que só páram quando, horas mais tarde, se deixa para trás a última sala.

E depois, eles sabem o que estão a fazer. Começa pelo derrube de barreiras. Em muitos  museus há sempre o drama das fotografias que se querem  tirar e não nos deixam. Mas aqui não. O público é acarinhado e mimado com tudo o que o museu pode dar. Fotografar o que se quiser, como se quiser. Mais que isso,  o visitante sente uma liberdade rara nestes espaços. Pode tocar nos objectos, sentir texturas, satisfazer aquele apelo táctil primordial. Na memória ficará não só a imagem dos objectos, o cheiro das salas, mas também o toque.

Um diorama no museu: oficina de pescador.
Um diorama no museu: oficina de pescador.
Um dos diversos carros de bomeiros em exibição no espaço exterior
Um dos diversos carros de bomeiros em exibição no espaço exterior

Se formos forçados a enquadrar o museu numa categoria será a de transportes e tecnologia. Mas é muito mais do que isso… Como enquadrar nestas temáticas a colecção de carrinhos e triciclos de brinquedo, que nos contam estórias de entusiasmos e fantasias de gerações? Ou os dioramas que recriam uma série de lojas antigas, algums deles mecanizados, pondo toda uma oficina em movimento para gáudio do visitante?

Há muito mais do que transportes e tecnologia nas mil e uma salas maravilha do Rahmi Koç. Há o Universo, ou melhor, retalhos, retalhos de um mundo sem fronteiras, sem limites. No fundo, tudo o que o senhor Rahmi Koç encontrou ao longo da sua vida e considerou interessante. Tudo isso foi arrecadado numa vida dedicada ao coleccionismo, alimentado por uma fortuna de família e uma rede industrial em pleno funcionamento. Segundo parece tudo começou na sua mais tenra idade, quando o pai, regressando de uma viagem de negócios na Alemanha, lhe trouxe um modelo de comboio eléctrico. Foi nesse momento que sentiu o chamamento.

Desde essa altura que coleccionou, primeiro para si, depois, influenciado pelo Deutsches Museum de Munique e pelo Science Museum de Londres, mas terá sido quando teve oportunidade de visitar o Henry Ford Museum, de Detroit, que se decidiu por fim a expôr a sua colecção. Entregou a um colaborador de confiança a tarefa de encontrar um espaço adequado. E ele fê-lo. Descobriu uma antiga fundição de âncoras, feita espaço de armazenamento nas décadas mais recentes e semi-destruida por um incêndio em 1984. O museu abriu em 1994, mas depressa se tornou claro que era necessário ainda mais espaço, e felizmente este foi obtido mesmo ali defronte, através da aquisição de um espaço portuário disponível para venda. Foi em 2001 que o museu Rahmi Koç se transformou naquilo que hoje vemos.

Ambiente subaquátco.
Ambiente subaquátco.
O cinema tem lugar no museu Rahmi Koç
O cinema tem lugar no museu Rahmi Koç

Será impossível descrever a colecção exposta nas salas de exibição. Mesmo os elementos mais relevantes serão demasiados. Receio que não consiga tampouco numerar as salas que vi. Cheguei pouco depois das dez da manhã, pronto para uma visita de cerca de duas horas, e acabei por deixar as instalações já perto das quatro, exausto dos quilómetros palmilhados e das emoções sentidas.

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Informação prática
A melhor forma de chegar ao museu será apanhar um autocarro em Eminonu, no enorme terminal junto à ponta mais afastada – de quem vem de Galata – da ponte. Os números possíveis eram os 47, 47E, 47Ç e 47N.
Dica
As suas paragens estão juntas e para as descobrir o visitante deverá cruzar o enorme espaço repleto de autocarros. As paragens são das últimas que se encontram. Os horários estão afixados, divididos em três tabelas: dias de semana, Sábados e Domingos. A paragem para se apear chama-se Kirmize Minare.