Lviv é uma maravilhosa cidade ucraniana, surpreendentemente desconhecida, que se localiza junto à fronteira com a Polónia. O seu interesse para o viajante distribui-se por diversas camadas: há a estética própria de uma urbe clássica, a experiência acessível a uma cultura que, sendo europeia, nos está mesmo assim tão distante e, talvez a verdadeira mais-valia de uma visita a Lviv, o contacto com um universo que começou a decompor-se com a queda do Muro de Berlim, mas que aqui se encontra ainda bem visível.
Quem chegue a Lviv sem a mínima ideia do que ver ou fazer, encontrará de imediato razões para ficar. A sua praça antiga é um mimo para os olhos, ladeada de cafés e restaurantes de aspecto encantado, fazendo sonhar com um imaginário feito de príncipes e princesas, faustosos coches, aventuras e mistérios que se perdem pela noite iluminada a velas e archotes. Vagueando um pouco ao acaso o visitante não terá dificuldade em encontrar palácios e salas de espectáculos de outros tempo, edifícios de encher a vista, ruas de calçada cheias de charme. Tudo isto constitui a primeira camada, encantadora mas superficial, ao alcance de todos e que deveria colocar Lviv na primeira linha de um périplo por este lado da Europa.
Os que tenham olho apurado para questões históricas e culturais têm muito com que se saciar por aqui. Esta região, politicamente instável, mudou de mãos vezes sem conta nos últimos séculos: Polónia, Rússia, União Soviética e, agora, Ucrânia. Alterações que foram deixando marcas que podem ser observadas nas ruas e travessas da cidade. Os polacos consideram Lviv uma filha perdida mas ao mesmo tempo tratam-na com o desdém que se aplica a uma traidora. Muitos ucranianos desprezam-na, chamam-lhe a cidade polaca.
Mas há mais: junta-se a isto uma enorme apetência das pessoas da terra para receber visitantes vindos de paragens distantes (por exemplo, de Portugal), uma relativa facilidade no diálogo em inglês, especialmente com os mais jovens, uma sensação de se ser único entre locais (sensação essa que é ilusória: na realidade há algum turismo em Lviv, mas sendo essencialmente de mercados circundantes, não nos apercebemos das nuances e colocamos locais e turistas no mesmo “saco”).
Lviv é uma cidade de detalhes. Pode-se andar à descoberta e iremos sempre reparar em algo de fascinante. De repente, um mercadozinho de rua onde se vendem objectos de outros tempos, alfinetes de peito onde sobressaem as foices e martelos, postais de tempos idos, livros do antigamente. Agrupam-se em redor de uma enorme estátua que homenageia o saber académico e o livro.
Mais à frente uma bizarra coleção de objectos agrupam-se num quinta das traseiras de uma casa… bonecas de trapos, brinquedos de madeira, pinturas surreais… um conjunto que parece abandonado e que deixa a pensar… quiçá os esforços de um idoso já ido para cativar um neto de cabelos cor de sol e olhos de mar…?
Passa uma procissão. São católicos, e o acólito que encerra o desfile carrega sobre o ombro um “tijolo” que debita uma cantilena hipnotizante e que enche a rua de som.
Há artistas de rua, homens-estátua dourados, saxofonistas e, quando a noite cai, a tribo do fogo mostra as suas habilidades. A música atrai-me a uma praça onde um enorme grupo hera-krishna dança, para deleite dos mais jovens e desaprovação dos velhotes, expressões crispadas pelo presente que não compreendem nem aceitam.
Sobe-se uma rua sem razão aparente e no seu topo dá-se com um memorial comunista, esculpido de forma clássica, temas militares, heróis da União Soviética de expressão austera. A sua base encontra-se repleta de flores frescas.
Para quem aprecie, o cemitério de Lviv é de visita obrigatória. Chama-se na realidade Lychakivsky Tsvyntar, e perde-se pela floresta que cobre uma colina. A campa mais antiga remonta a 1675 e desde esse ano foram para ali levadas para o seu derradeiro repouso cerca de 400.000 pessoas. Um autêntico museu de história e de arte, que conta as sucessivas ocupações da cidade, oferece tranquilidade e muita inspiração para os amantes de fotografia.
Outro local a não perder, num registo bem distinto: A Casa das Lendas, ou, no original Dim Legend. Um bar fantástico, de uma forma literal. Instalado numa casa antiga de quatro andares, cada um dos pisos é dedicado a uma lenda da cidade, que são abordados como se de um livro de estórias se tratasse: o Tempo e o Ouro são dois dos temas. E de facto, ao passar pelas sucessivas salas, o visitante sente-se a viajar para o interior de um livro de contos. No topo, um terraço com vistas soberbas para a cidade, onde um limpa-chaminés de bronze nos faz companhia enquanto, se tivermos sorte, ocupamos o nosso lugar no Trabant que se encontra suspenso no telhado.
Mas a faceta de Lviv que faz dela especial é a ligação a um passado apagado noutros locais. Pensemos por um instante em Praga. A bela Praga, tornada marco incontornável para qualquer volta pela Europa para norte-americanos e asiáticos. Desenvolvida, imaculada, transformada num produto, gradualmente desnudada da alma de outros tempos. Essa Praga de que os “antigos” falam com nostalgia. Refiro-me aos primeiros ocidentais que ali se estabeleceram após a abertura do país.
E foi aqui que Lviv me tocou. Imagino que seja ainda hoje o que Praga era em 1989. Uma cidade bela com um toque decadente, virgem, imaculada, genuína, com um mundo entre nós. Lviv que ainda pode ser considerada para um cenário de filmes de 007 contra o KGB, como o foi Praga noutras películas de Bond. Lviv das velhotas de preto trajando, dos Lada que circulam, das fachadas de pintura escamada, dos mercados de rua. Lviv, onde as pessoas tão bem recebem os visitantes, lisonjeadas pela sua presença, longe que está a invasão de turistas que maça suga a paciência dos habitantes. É essa Lviv que é um local imperdível.
Como Ir
Por terra, a partir da Polónia. Solução simples e mais cara: comboio directo de Varsóvia. Solução elaborada e muito económica: seguir até Przemysl, cidadezinha polaca de fronteira, muito interessante, a merecer uma visita de um ou dois dias e apanhar um transporte local para a fronteira, atravessando-a a pé e encontrando do outro lado o autocarro urbano para Lviv. Ou então, simplificar e apanhar o avião, podendo-se consultar a Rumbo.pt para ver os voos mais económicos para Lviv.
Quando Ir
A Maio e Junho ou Setembro e Outubro serão as melhores partes do ano para visitar esta região, com temperaturas amenas e a natureza do seu melhor, verde e frondosa na primeira opção e oferecendo as maravilhas das cores quentes de Outono na segunda.
Agora fiquei com muita vontade de ir a Lviv, vou a Kiev em breve mas Lviv fica na short list. Excelente relato
Irei à Europa pela primeira vez em maio de 2016. Entre as diversas opções de cidades, Lviv tem me chamado muito a atenção, tanto pela minha raiz polaca-ucraniana quanto pelo fato de não ser uma cidade extremamente vendida ao turismo, como tenho lido sobre Praga. Este texto foi muito bem elaborado e deu um ponto positivo a mais para Lviv, e é para lá que eu vou.
Óptima escolha para ser a tua cidade preferida. Morei em Lviv 6 meses e foi uma experiência muito enriquecedora a nível pessoal. Fiz bons amigos que ainda hoje mantenho contacto desde 2009 – altura que estive lá. Excelente descrição deste destino fabuloso.