Mais longe, as áreas de habitação. Encontram-se os blocos que foram cinzentões e hoje se encontram cobertos de graffiti coloridos, os prédios originais, construidos para albergar os militares, há muitos, muitos anos. E depois há uma área de construção intensiva, com muitas casas improvisadas, que se acotovelam entre si, numa selva urbana muito própria, com passagens estreitas que confluem numas duas ou três ruas principais. Por fim, mais afastadas, as “vivendas”. São casas erigidas à beira do lago, ao longo de um estrada de terra batida, num ambiente quase campestre. Observar estas estruturas improvisadas vale só por si uma visita a Christiania. A imaginação foi o único limite arquitectónico imposto a estas construções. E depois, há os pormenores. As cadeiras de ferros retorcidos, os elementos de decoração, completamente alucinados, as tralhas amontoadas sob abrigos improvisados. Os avisos cheios de humor, as bicicletas personalizadas até ao limite, algumas, senão a maioria, a denotar a loucura encapotada dos seus proprietários.
Para se visitar Christiania, é preciso advertir, tem que se estar disposto a ver coisas estranhas e a conviver com alguma fauna bizarra. Caminhar “Pusher street” abaixo e olhar para aquelas bancazinhas com as barras de haxixe alinhadas, à vista de todos, numa concorrência sadia entre vendedores, é coisa para fazer soar uma série de campainhas de alarme. As coisas não são para ser assim, desde sempre nos habituamos a associar “drogas” a algo proibido, escondido, obscuro. Ver aquele reportório de produtos exposto perante todos traz uma nova dimensão ao modo como percebemos o comércio de drogas leves. Recordo-me de passar por entre as mesas da esplanada pelo final da “Pusher street” e sorrir perante aquela clientela, toda muito “high”, extremamente alegres, a maioria já numa outra dimensão. Mais à frente, quando parei defronte de um banco ocupado por uma jovem, queria apenas orientar-me e olhar em redor, mas acabei convidado para partilhar um “charro”, assim, sem mais nem menos.
Uma das áreas mais encantadoras dos 34 hectares de Christiania é marcada pela estrada de terra batida que acompanha a orla do lago. Ao longo deste caminho erguem-se as casas mais espectaculares, localizadas tão perto da água que algumas foram mesmo construidas sobre estacas. Algumas destas habitações não dão sinais de ocupação permanente, e ainda bem para nós, que podemos observar com toda a calma as fantasiosas decorações e espantosas pilhas de objectos guardados sem razão aparente.
O que o visitante não poderá nunca ver são as “nuances” comunitárias deste lugar. Dizem-nos que muitos gostariam de se mudar para Christiania, mas o espaço limitado tornou essa ambição num sonho díficil de alcançar. Actualmente, para se ser admitido como morador, será necessário estar-se numa relação com alguém que já pertença à comunidade. E depois, não é só usufruir. Dos habitantes de Christiania é esperado que contribuam para as actividades comunitárias, num regime de rotatividade, que faz circular por todos as tarefas mais básicas que se esperam do “Estado”, como o ensino, limitado ao nível primário, e a limpeza dos espaços públicos.
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