Início dos anos 70. Um pouco por toda a Europa Ocidental uma geração de estudantes ergue-se contra o poder instítuido. Apenas dois anos antes, Praga e Paris são sacudidas por movimentos populares que abalam as estruturas do Estado. Em Itália e na República Federal da Alemanha jovens esquerdistas plenos de ideais enveredam pela luta armada, fundando respectivamente as Brigadas Vermelhas e o Grupo Baader-Meinhof. É uma época de profundas tensões sociais, talvez a última vez em que se assistiu a um amplo levantamento predominantemente estudantil contra o status quo estabelecido.
E é neste contexto que em Setembro de 1971 um grupo de sem-abrigo dinamarqueses invade a área de Christiania, usada durante séculos pelo Exército mas agora deixada ao abandono. Por essa altura a escassez de habitações em Copenhaga era premente, mas a ocupação de Christiania depressa ultrapassou o plano práctico. A zona tornou-se um fértil viveiro dos ideais hippies, do espírito squatter, das propostas do colectivismo e do anarquismo.
Com o decorrer do tempo a relação entre o Estado e os “ocupas” oscilou ao sabor da cor política do Governo; maiorias dos conservadores têm investido contra a comunidade de Christiania, procurando um desmembramento nunca conseguido, enquanto que os seus rivais de “esquerda”, quando no poder, têm protegido o projecto, num ciclo iniciado logo em 1972 quando os moradores do novo bairro vêem a sua utopia reconhecida pelo Governo com a denominação de “experiência social”.
Hoje Christiania é o fruto de uma evolução longa de quarenta anos. Viveu muito, sofreu, evoluiu. Passou por fases complicadas, por períodos de intensa repressão policial, por guerras mortais promovidas pelos cartéis de droga dinamarqueses. Entretanto existem novas gerações. Quando se caminha nas áreas mais familiares de Christiania vêem-se jovens adolescentes e crianças de mais tenra idade, brincando por ali, e sabemos que aqueles rebentos nunca conheceram outra realidade: para o pior e para o melhor nasceram e cresceram numa comunidade onde os charros são passados com a naturalidade de quem roda uma garrafa de vinho à volta da mesa. As suas habitações não têm nada a ver com os convencionais apartamentos da capital da Dinamarca. São criações concebidas sob o efeito de muito LSD, casas bizarras, como que saídas de um Mundo das Maravilhas sem Alice. E a verdade é que os seus sorrisos são diferentes, transmitem uma inocência que só se pode explicar pela ausência de uma cultura de medo no seio desta micro-sociedade.
Para muitos, Christiania gira em redor de “Pusher street”, a rua onde a feira de drogas se encontra montada. Drogas, mas leves, porque o uso de coisas pesadas é um dos poucos crimes mortais identificado no código legislativo da comunidade. Os outros? Roubar, exercer violência, usar ou transportar armas, circulação de viaturas motorizadas privadas, comercializar fogo-de-artíficio, vestir coletes à prova de bala ou roupas associadas a gangs de “motards”. Mas voltemos à “Pusher street”. Ali, é estrictamente proibido tirar fotografias, e o turista incauto que não se apercebe dos enormes sinais de aviso, será confrontado com uma situação desagradável; apesar do uso de violência não ser esperado, os vigias da rua intervirão, forçando o visitante a apagar as imagens que tenha recolhido. Esta é uma das zonas de mais fácil acesso, não muito longe da entrada principal dos terrenos de Christiania. É uma espécie de centro, em redor do qual o comércio se desenvolve, não desdenhando dos proveitos que a maré diária de turistas e visitantes lhe pode oferecer. Por lá se encontram barraquinhas com os mais díspares produtos: comes e bebes, claro, mas também acessórios para o consumo de drogas leves, como cachimbos e mortalhas, e artesanato, muito artesanato. E há oficinas de tatuagens, mecânicos de bicicletas e cafés.
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