Kathmandu é a cidade mítica dos hippies e da contracultura dos anos 60. O que dizer sobre a cidade que visitei nos finais de 2013, recentemente abalada por um forte terramoto que terá destruído muito do seu riquíssimo património cultural?
A impressão com que fiquei desta cidade é simultaneamente de conforto e de caos: um conforto assente nas tradições religiosas milenares e na ancestralidade das construções que permeiam a atmosfera que se vive; e um caos determinado pela vida citadina que reflecte a permanente luta pela sobrevivência do povo nepalês.
A arquitectura, no que ao edificado antigo diz respeito, é maravilhosa, rica em pormenores e detalhes. Há um constante experienciar de sensações, particularmente quando somos rodeados pela religiosidade e espiritualidade, em especial quando nos aventuramos por templos e estruturas que existem por toda a cidade.
Embora a religião Hindu seja a principal do país, há 20% da população que professa o culto budista. Este facto reflecte-se na cidade através de diferentes formas, com principal destaque para os templos mais importantes para estas duas religiões: a Boudhanath Stupa, no caso do budismo, e o Templo de Pashupatinath – dedicado a Shiva, um dos três principais deuses desta religião –, no caso do hinduísmo. E enquanto a Boudhanath Stupa é acessível a praticamente toda a gente, sendo budista ou não, o Templo de Pashupatinath só autoriza a entrada a hindus, estado apenas disponível para visita a parte exterior do complexo onde o templo se insere.
Depois existe Thamel (onde fiquei alojado), um bairro essencialmente virado para o turismo, que classifico como um gigantesco centro comercial, tantas são as lojas que mantêm o turista em mira. Apesar de tudo, as ruas são muito cosmopolitas, na maior parte dos casos cobertas de lama fina, onde as pessoas são obrigadas a conviver bem de perto com os mais variados tipos de veículos.
Enquanto estive em Kathmandu tive a oportunidade de assistir a rituais funerários no rio Bagmati, o principal curso de água que atravessa a cidade e que é o segundo rio mais importante para o hinduísmo, logo após o Ganges, na Índia. O rio Bagmati é também considerado sagrado para o budismo. Aqui experimentei uma sensação de desconforto talvez associada à ideia da morte que voa com as suas asas negras sobre o local. Os templos e a arquitectura, se bem que impressionantes, deixaram-me uma sensação de tristeza e pesar. Houve ainda algo de muito curioso, mas ao mesmo tempo estranho e perturbador, que foi observar as crianças a nadar num rio incrivelmente poluído, muitas vezes junto aos cadáveres que de acordo com o ritual Hindu são ali mergulhados para purificação. Talvez tenha sido aqui que experimentei a maior sensação de diferença entre a cultura ocidental e oriental.
A restante ideia com que fiquei da cidade é a de uma arquitectura atabalhoada e caótica; uma imensa poluição e uma vida citadina também ela caótica, sempre aliada, como referi ao início, à luta pela sobrevivência de um povo que na sua maioria vive no limiar da pobreza.
No fundo talvez seja esta mistura de religiosidade, caos, poluição, abandono e decadência, que transmitem um ar único a Kathmandu, cidade que atraiu e continua a atrair milhares de pessoas a visitá-la; cidade que deixa em cada um de nós uma memória única e grande vontade em voltar.
Kathmandu é diferente. Única. Inesquecível. Eterna.
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