À noitinha, quando o mundo em redor se movimenta para regressar a casa, escuta-se o piano, e observam-se os clientes. Duas raparigas ultimam aquele trabalho para a universidade, com os computadores em cima da mesa e a papelada espalhada pelo tampo; não muito longe um homem de fato e gravata acaba a sua bebida, certamente com a mente perdida nas fasquias crueis dos objectivos de vendas que tentará atingir no dia seguinte; acolá, um casal de idosos deleita-se com a música, e, vindo das sombras, o velho Muchaxo apresenta-se para dois dedos de conversa. O próprio, o fundador, que vagueia pelo seu território quase milenar, olhar perdido pelo tempo que já foi.
Incapazes de estabelecer as relações temporais que se exigem para compreender a magia do local, os hóspedes estrangeiros vão deixando comentários pouco abonatórios nos “sites” de reservas e de turismo. Que o hotel está nas últimas, que os quartos são antiquados, que tudo está degradado e a necessitar de modernização. Deixai-os falar, ò Muchaxo… eles não sabem o que tu e eu sabemos, eles não conhecem este dom maravilhoso que nos leva pelos tempos, até um passado que foi nosso, tu, já homem feito, empresário de um sucesso que tiveste e te abandonou. Eu, rapazinho imberbe, cheio de sonhos que foram chegando, uns transformando-se em pó, outros consolidando-se e ficando. Nós, teremos sempre aquele Guincho, aquela Cascais, aquele Estoril.
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