Nasci em Lisboa há quase cinquenta anos e por lá vivi mais de trinta. Nunca visitei Palmela, apesar de desde pequenino, durante os passeios pelo Castelo de São Jorge ou as incursões ao terraço do topo do edifício da minha avó materna, o meu pai ma apontar, lá ao fundo. E sinto que como eu, muitos lisboetas, para não dizer “portugueses”, passam uma vida inteira deste local maravilhoso que é Palmela. O que é verdadeiramente uma pena.
Afinal de contas, a vila de Palmela encontra-se a uns meros 25 km em linha recta da baixa lisboeta. Talvez uns 35 km por estrada. Mas apesar da proximidade física, se o cidadão se deslocar ao centro da velha Palmela numa bela tarde de Primavera encontrará ruas basicamente desertas, num violento contraste com a invasão avassaladora de turistas nacionais e estrangeiros a locais como Sintra e Óbidos. Ainda bem. Pode ser injusto ou estranho, mas há algo de positivo na calmaria daquelas vielas. É um refúgio, uma recordação viva do que era o meu Portugal, genuíno, autêntico.
Foi preciso esperar mais de 40 anos e mudar-me para o Algarve para encontrar uma ocasião para visitar Palmela. Encantou-me. Já conhecia a uma certa distância, já havia passado no seu sopé, a caminho de Setúbal e da Arrábida. Na realidade, tinha subido ao castelo há uma meia dúzia de anos. Mas ver a vila assim, com todo o tempo do mundo e olhos de ver… foi só agora.
O castelo é quase literalmente a cereja no topo do bolo, mas é mesmo por aí que se pode começar. As vistas do topo da torre de menagem são algo de espantoso, tão espantoso como é ver tudo aquilo sem mais visitantes. Dali os olhos alcançam Lisboa, toda a lista do Estoril, a serra de Sintra lá longe, e a foz do Tejo e do Sado, a linha da Arrábida e o início do vale das Lezírias. Ainda por cima é um castelo de acesso livre e bem conservado, servido por um agradável café mantido por gente simpática.
Dali se pode partir à descoberta da vila antiga. Existe um percurso sinalizado com pontos de interesse devidamente explicado através de painéis informativos que serve de base ao visitante. Depois de um pequeno-almoço no pacato café junto à igreja, onde se respira um ritmo de vida há muito ausente da cidade, parti para uma volta a pé. Descobri logo de seguida os paços do concelho e pouco depois o pelourinho, postado defronte da discreta igreja da Misericórdia.
Mais abaixo o amplo largo de São João, local de reunião da comunidade, espaçoso, albergando o tradicional coreto, o velho cineteatro São João, a Biblioteca Municipal, que faz as vezes de museu e de galeria de arte e o posto de turismo. De permeio há ruelas, antigas, cheias de estórias para contar, por onde a vizinhança para para dois dedos de conversa.
Existe uma outra Palmela, claro, aquela onde pernoita a maioria dos seus quase vinte mil habitantes. Mas essa encontra-se mais abaixo, junto à movimentada estrada nacional que leva a Setúbal, temperada apenas por um ou outro palácio de boas famílias, ali estabelecidas desde os tempos áureos dos Duques de Palmela.
Nas orlas de Palmela existem pontos que não devem ser perdidos. Logo abaixo do castelo, na direção de Setúbal, há um miradouro onde se pode encontrar um café-restaurante que se recomenda. Em dias de sol, sentar naquela esplanada é uma aproximação ao Paraíso. Mesmo ao lado existe um moinho de vento recuperado que se pode alugar para uns dias bem passados. Este tipo de moinhos é aliás uma das imagens icónicas de Palmela: do lado oposto, já no acesso que se toma a pé ou de bicicleta para se partir em direção às serranias da Arrábida, poderá ser observada uma linha de diversos moinhos, quase todos recuperados.
Mesmo um local tão pequeno como a vila de Palmela tem os seus segredos, recantos secretos que facilmente passam despercebidos ao visitante. Para deixar algo para descobrir, uma referência apenas, ao jardim Venâncio Ribeiro da Costa, um oásis de árvores frondosas que proporcionam uma frescura bem vinda naqueles dias quentes de verão. Encontra-se à vertical das muralhas do castelo, em socalcos, e muita gente não se aperceberá da sua existência.