PActualmente consideras-te aquilo a que se chama um viajante profissional? Consegues sobreviver exclusivamente dos rendimentos obtidos com esta actividade?
RNão me considero profissional em nada. Sou muito amador em tudo o que faço e assim quero continuar. É a forma que tenho para manter uma certa ingenuidade e liberdade de pensamento naquilo que concretizo. Não quero ser viajante profissional, rendido a viajar para ganhar dinheiro. É como um artista a pintar só para vender. Não penso desta maneira. E sim, consigo viver só com os rendimentos obtidos em resultado das actividades relacionadas com as viagens.
PO que faz uma viagem ser diferente? As paisagens de um destino, a cultura, as pessoas ou a gastronomia?
RPenso que está tudo interligado. Uma paisagem pode direccionar a cultura de um povo, no sentido em que pode determinar a essência das próprias pessoas e aquilo que comem no seu dia-a-dia. Pode parecer uma ideia algo confusa, mas é extremamente simples. Vamos a um exemplo: um habitante do Deserto do Saara vê seguramente a sua cultura, comida e maneira de viver, muito determinadas por aquilo que o rodeia. A sua indumentária é adaptada ao lugar onde vive; aquilo que come é adaptado ao lugar onde vive; e a sua maneira de estar é adaptada ao lugar onde vive.
PPegando na questão da gastronomia, vês na experiência do saber comer também ela uma viagem?
RSim, obviamente! Percebemos muito de uma cultura através da sua gastronomia.
PQual foi o prato mais esquisito e difícil de comer que já encontraste?
RLeite de égua azedo no Cazaquistão. Não é bem o meu sabor.
PMas se isso fosse importante para a experiência de viagem, voltarias a fazê-lo?
RNão sei. Quando isso acontecer logo saberei se sim ou não.
PExiste algum objecto que te acompanhe em todas as viagens e do qual sejas inseparável?
RCorta unhas. Chinelos de praia. Máquina fotográfica.
PÉs exigente com a planificação das tuas viagens, no sentido em que precisas de definir o itinerário e marcar tudo com muita antecedência, ou preferes ser surpreendido pelo inesperado e ter que improvisar?
RNão planeio nada com antecedência. A viagem aparece e concretiza-se à medida que vou viajando. Gosto de ir improvisando a rota através dos estímulos ou das dicas de outras pessoas que vou conhecendo na viagem.
PSem entrar em campos demasiadamente subjectivos, o que é pesa na escolha dos teus novos destinos?
RComo gostava de visitar todos os países e territórios do mundo, qualquer coisa que venha à “rede é peixe”. O que costumo fazer é ir procurar voos e acabo por seleccionar os meus destinos dois ou três dias antes de embarcar. É mais fácil!
PE preferes conhecer sempre novos países ou gostas de voltar, com alguma frequência, a alguns pelos quais tens mais afinidade?
ROlhando ao meu historial de viagens já fui mais vezes a países repetidos do que a países novos. Tenho países onde já fui muitíssimas vezes – Mauritânia 7 vezes, Turquia 8 vezes, Polónia 10 vezes, Roménia 5 vezes, Peru 3 vezes, etc… Mas ando a tentar viajar para países que ainda nunca visitei. É uma tarefa difícil!
PAcreditas que essa vontade de errância permanente vai manter-se até ao resto dos teus dias, ou acreditas que há um tempo para tudo e que chegará o momento em que vais parar de viajar?
RNão sei. Está tudo em aberto. Daqui a uns anos talvez possa responder melhor a esta pergunta.
PAinda há muita gente que acredita que viajar é um prazer muito caro e que se destina só a ricos. Queres desmistificar um pouco esta ideia?
REnquanto estive na universidade sempre fui criticado por viajar, pois diziam que era rico. Eu nunca fui rico, nunca tive uma vida de grandes luxos e ainda hoje em dia compro roupa em segunda-mão no mercado. Sempre gastei tudo o que ganho a viajar. Cheguei a ter quatro empregos em simultâneo e quando convidava alguém para trabalhar a servir às mesas num restaurante, durante os fins-de-semana, nunca encontrei ninguém que quisesse acompanhar-me. Acordar cedo ao Sábado ou Domingo, para trabalhar 15 horas por dia, parece que não é apelativo para muita gente. Aparentemente a minha riqueza talvez estivesse afinal no meu trabalho e os críticos talvez gostassem mais de ficar na cama.
Com excepção de algumas viagens para lugares inóspitos do planeta, não há destinos caros. Há é destinos para gente que se mexe e ganha o seu dinheiro, e outros destinos – o sofá – para quem prefere ficar em casa. Em qualquer dos casos, há gente com muito dinheiro que não viaja e quem, apesar dos seus parcos recursos, consegue desenvolver projectos de viagem absolutamente fascinantes. A título de exemplo posso dizer que já viajei durante um mês por Marrocos, Mauritânia e Senegal, quase sempre à boleia, onde não cheguei a gastar 300 Euros, incluindo transportes – de autocarro para a ida e no avião das lagostas, enfiado no meio das caixas do peixe, para o regresso.
Em suma, tudo são escolhas… Se não estamos satisfeitos com a vida, há que lutar por aquilo que se quer. Queremos mais? Então há que mexer, procurar, encontrar e concretizar. Nós somos aquilo a que damos prioridade. Tenho um amigo polaco que após lhe ter perguntado porque trabalhava 16 horas por dia, respondeu-me: “porque quero ter o dobro”. Pessoalmente, eu hoje em dia, quando estou em casa, trabalho 16 a 17 horas diárias. Porquê? Porque quero o dobro. Não há desculpas!
PQual é o orçamento médio para um mês nas tuas viagens?
RDepende dos destinos. Nada é igual. Um mês no Chile não custa o mesmo que um mês na Venezuela. Mas devo dizer que sou um viajante low-cost, que uma ou outra vez faz uma extravagância.
PRegressaste há uns meses de uma volta ao mundo com a duração de 19 meses. Esta experiência, que terá sido a viagem com maior duração que concluíste, mudou alguma coisa na forma como te relacionas com o mundo?
RNão, porque o que havia para mudar foi alcançado com outras viagens, muito antes desta volta ao mundo.
PE na forma de viajar?
RTambém não.
PQueres contar alguma experiência com que não estivesses minimamente à espera e que te tenha surpreendido por completo?
RNunca esperei que Machu Picchu fosse um destino “mass-tourism”. É claro que sabia antecipadamente que existem quotas diárias de visitantes, mas presenciar um tão grande número de autocarros repletos de gente, que depois se precipitavam euforicamente complexo adentro, fez desmoronar muita da mística que tinha na minha cabeça. Em qualquer dos casos o local é bonito. Gostei principalmente em subir à montanha Machu Picchu para ver as ruínas bem do alto.
Olá João adorei ler a sua entrevista deixo um abraço
O João Leitão é uma pessoa inspiradora. Acompanho há muito tempo o blog dele e devorei esta entrevista. Muito obrigada pela partilha e inspiração!