Gonçalo Cadilhe, 43 anos, é um nome incontornável na literatura de viagens em Portugal. Quando começou as suas deambulações, meio à aventura, mal imaginava que iria fazer disso a sua profissão. Com mais de 20 anos de caminhos, experiências, encontros e desencontros, é um dos mais experientes viajantes portugueses. Colabora regularmente com vários títulos da imprensa nacional, nomeadamente o prestigiado semanário expresso, faz documentários para televisão, manteve recentemente um rubrica na Antena 1, é autor de inúmeros livros e lidera viagens para a agência Nomad.
O viajante e andarilho profissional, que sempre faz questão em voltar à sua Figueira da Foz, aceitou abrir o baú das memórias e confidenciar aos leitores da Próxima Viagem aquilo que o move.
PGonçalo, quando se começa a viajar há um grande entusiasmo motivado pela novidade e pelo desconhecido. O teu ainda perdura?
RNo sentido do estilo de vida, diria que não, que já não tenho esse entusiasmo. Ou seja, praticamente arranco para cada nova viagem com o sentimento do “business as usual”, e de facto é mesmo business, é mesmo um trabalho que tem que ser feito, um compromisso que tem que ser honrado, uma data de entrega (de um texto, de um documentário, de um livro) que tem que ser respeitada. Onde poderá residir entusiasmo é no desafio intelectual pressuposto. Por exemplo, escrever sobre a viagem de Magalhães é muito mais desafiador do que escrever sobre uma boleia num camião pelo Congo acima. A primeira viagem implica um estudo aprofundado do século XVI, das tensões internacionais em jogo, do conhecimento que se tinha do mundo, etc… Por aí andam os meus entusiasmos depois de vinte anos a viajar non-stop.
PViajar é algo que se aprende?
RSim, aprende-se viajando.
PEm alguma das tuas viagens já deste contigo a pensar que aquele é o teu lugar?
RO mais perto que estive dessa sensação foi na África do Sul, há uns anos, quando o rand estava muito desvalorizado face ao euro. Apercebi-me que o slogan turístico da África do Sul era “O Mundo num Só País”. “Eh lá espera aí”, pensei eu, “tenho aqui tudo; e ainda por cima a preços de saldo. Este é o meu lugar.” (risos)
PEntre os muitos episódios, porventura negativos, já alguma vez sentistes medo ao ponto de temer pela vida?
RUm par de vezes, mas sempre com uma sensação de “é demasiado ridículo o que está a acontecer para ser o fim,…”. Digamos que não me meto em aventuras, em terra onde estás faz como vires fazer, e as situações de maior perigo foram mesmo demasiado irónicas, demasiado burlescas, para eu chegar a acreditar que poderiam ser fatais…
PA vida de viajante profissional tornou-te numa pessoa solitária?
RNão me tornou, manteve-me na mesma proporção de pessoa solitária que sempre fui. E manteve-me também na mesma proporção de pessoa gregária que sempre fui. Respondo assim porque acho que a viagem não faz de ti mais ou menos solitário, porque a solidão é um estado de alma. Diferente é a tua capacidade de relacionamento contigo próprio, a isso chama-se autonomia. Se és mais ou menos autónomo, mais ou menos dependente. A viajar fica-se mais autónomo, menos dependente. Necessitas menos dos outros porque a viajar aprendes a estar bem contigo próprio.
PAcreditas que as viagens podem ser preponderantes da formação dos indivíduos? Uma pessoa é diferente pelo facto de ter viajado?
RDevia ser, mas tem que estar predisposto para a mudança, para o enriquecimento. Se sair de casa com certezas, dogmas e preconceitos cimentados, não há viagem que consiga formar ninguém. Da mesma forma, se estás predisposto para a mudança podes nunca sair de casa e conseguir essa formação, que eu chamaria cidadania, de uma forma completamente sedentária. Através da leitura, da educação musical, da participação em um projecto solidário, etc… Se olhares para o panorama actual das viagens, tornou-se tão fácil viajar, que já ninguém sente que está a passar por uma experiência radical, exclusiva, de crescimento e formação. É tudo imediato, fácil, e de consumo massificado. Até a Mongólia já entrou no circuito do turista de Agosto.
PInteressas-te pelos souvenirs de viagem? É coisa que guardes religiosamente?
RGuardo papéis: etiquetas de cervejas, bilhetes de autocarros, facturas de hotéis, etc… Coisas que não pesam. Depois, no regresso a casa, faço um collage de tudo num painel e ali fica durante uns tempos.
PAinda continuas a viajar de mochila às costas ou já te rendestes aos trolleys e tudo o que tem rodas?
RMochilas com rodas (risos). Rendo-me sempre a tudo o que torne a vida mais fácil e a dor nas costas mais suportável.
PDesde cedo que as tuas viagens estão relacionadas com projectos de alguma dimensão. A “volta do mundo sem utilizar transporte aéreo” ou “África Acima” são apenas dois exemplos. Isto exige uma grande preparação e investigação?
RCada caso é um caso. Os exemplos que apontaste têm a ver com uma preparação logística muito grande, ou seja, as questões ligadas aos vistos e às burocracias consulares e aos meios de transporte disponíveis, nomeadamente cargueiros que aceitem levar passageiros e respectivas rotas transoceânicas no caso da volta ao mundo sem aviões, logo a preparação de um itinerário possível é a maior fatia da preparação. Já em viagens como a biografia de Magalhães ou o inquérito aos lugares da Peregrinação, a investigação é sobretudo histórica e a logística mais fácil, por países mais disponíveis para projectos de estudo e documentários históricos. Repito, cada caso é um caso.
[…] Se tem interesse neste autor aproveito para recomendar a excelente entrevista conduzida por Agostinho Mendes e publicada no seu website Próxima Viagem. […]
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