Diz-se que viajar é sempre uma oportunidade de descobrir algo de novo, e que repetir uma viagem é uma chance de redescobrir o lugar e o ver com novos olhos. Foi assim comigo, quase diariamente, durante os três anos e meio que vivi na Serra Gaúcha, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. O meu estômago é quem costumava chefiar essas expedições exploratórias de novos paladares. O que eu mais aprendi na região foi saborear uma comida bem-feita, ter uma alimentação de qualidade, valorizar cada grão de arroz que me é posto à mesa, e reconhecer um povo por aquilo que ele come. Fernando Pessoa mesmo disse: “Feliz o homem que come comida, que bebe bebida, e, por isso, tem alegria”.
É um lugar onde não faltam opções de churrascarias e restaurantes de comida italiana. No Vale dos Vinhedos, na cidade de Bento Gonçalves, um rodízio incrível de comida típica é possível de se encontrar no Restaurante Sbornea’s – sopa de agnoline, grôstoli ou polenta frita. Todo o tipo de massa no sul é deliciosa. Agnoline (o mesmo que capeletti), tortéi e outros tantos tipos de massa, muitas vezes só são mesmo conhecidas no sul do Brasil. Há quem chame o tortéi de “pastelzinho de jerimum”, porque essa massa tem um formato quadrado e recheada com abóbora. Uma das minhas favoritas. Na verdade, todas são minhas favoritas.
Para cair na esbórnia de verdade, o melhor é subir a Serra Gaúcha em época de festa típica. A Festa do Figo é em fevereiro, em Nova Petrópolis. A Festiqueijo é em Carlos Barbosa, sempre em julho. No mesmo mês, em Caxias do Sul, acontece a Festa do Vinho Novo, pois nem só de comida se vive lá. Na mesma cidade, tem a Festa da Uva, em fevereiro; celebração parecida é o Bento em Vindima, em Bento Gonçalves, que já começou e vai até março; em abril, tem a Femaçã, só que em Veranópolis; e a Fenakiwi é em julho, na cidade de Farroupilha. Essas são festas que ocorrem a cada dois anos e 2016 é ano de todas elas. Em 2017, Bento Gonçalves comemorará os 50 anos da sua Fenavinho, em janeiro e fevereiro, que é de dois em dois anos também, mas só nos anos ímpares. Menos frequente, a Festa da Vindima é em Flores da Cunha, a cada quatro anos. A próxima só chegará em 2019.
Em fevereiro, a Uva e o Vinho são tão venerados pelo povo que o Carnaval é praticamente inexistente – tem comércio que abre as portas na terça-feira de Carnaval, ignorando o feriado nacional mais brasileiro que existe. Em todas essas festas, os produtores rurais da região expõem seus produtos para degustação e muitas vezes estão para venda mais baratos do que no comércio. Também elegem suas “misses”, em concurso de princesa e rainha do tema da festa (rainha da uva, princesa do kiwi, etc.). A maior é a Festa da Uva, em Caxias, com desfiles de carros alegóricos, parques de exposições com tudo quanto é tipo de uva exposta, e até pastel de uva. A fonte da principal praça de Caxias recebe um corante roxo, para dar a aparência de que jorra suco de uva, e o principal jornal da cidade é impresso com aroma de uva durante dias. Surreal! Em Caxias e em São Francisco de Paula, também há a Festa do Pinhão, sempre em junho.
O preço de entrada para essas festas, que tem um valor semelhante, aproxima-se dos R$12,00 ([currencyr amount=12 from=brl to=eur]). Em Veranópolis, terra da Femaçã, há uma torre de aproximadamente 80 metros de altura de onde você consegue avistar Caxias do Sul e Bento Gonçalves, pagando R$5,00 ([currencyr amount=5 from=brl to=eur]). No alto desse mirante há também um restaurante giratório, que leva duas horas para completar um giro de 360 graus. Visite também o Museu da Cidade e faça o mesmo em todos os Museus Municipais das cidades que visitar. Todos têm entrada gratuita e é uma excelente forma de você entender melhor os costumes dessa gente, como o jeito de pronunciar o nome de algumas frutas. No Rio Grande do Sul, caqui e kiwi são palavras paroxítonas e o w dessa última tem som de v. Assim, não estranhe se ouvir cáqui e quívi.
Em um estado que se orgulha de celebrar os frutos do trabalho, o banquete está servido o ano todo, então você faz a festa não importa quando. A região é toda rodeada de fazendas vinícolas abertas a visitas. Em Flores da Cunha, maior produtora de vinhos do país, recomendo duas: a Luiz Argenta, que impressiona com tanta tecnologia, com terrenos enormes de parreirais dispostos de forma alinhadíssima e com um prédio de desenho futurista junto ao antigo prédio da vinícola (belíssima vista); e a Vinícola Salvador, que é menor, mas mais aconchegante, e você é recepcionado pelo proprietário e sua esposa. Neste caso, as palavras do guia têm outro significado, pois tudo ali tem grande valor sentimental para ele. Em qualquer dos casos você conhece todas as etapas da produção dos vinhos: da colheita da uva até à taça que você degusta ao fim da visita. Aproveite essa viagem sem se preocupar com o pecado capital da gula, até porque está escrito no Salmo 105:15: “O vinho alegra o coração dos homens”.
:: Escrito de acordo com a ortografia brasileira ::
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É um sonho meu conhecer os encantos da Serra Gaúcha. Ao ler este artigo agucei ainda mais essa vontade que já perdura. Vou ver a melhor data para essa viagem. Sou um dos poucos do meu grupo de amigos que ainda não fez esta viagem.