Os cavalos eram arreados nas cavalariças, enquanto os soldados preparavam as armas e munições, para sair numa acção militar e combater os Italianos.
O próprio príncipe encarregou-se de escolher os oitenta soldados mais bem preparados, para que a missão fosse concluída com sucesso.
Toda a cidade de Vaduz despediu-se com pompa e circunstância dos seus valentes soldados, numa cerimónia em que o pároco local os abençoou.
Decorria uma bela tarde de Verão, do ano de 1866, quando o príncipe veio à janela e, estendendo a mão, ordenou a partida da acção militar.
Por entre gritos de glória, e uma chuva de pétalas que era largada à sua passagem, algumas mulheres choravam disfarçadamente, não sabendo se seria aquela a ultima vez que veriam os seus amados.
As semanas passaram e deram lugar a meses. As folhas começaram a cair e com elas também o Verão, para dar lugar ao Outono.
As notícias eram inexistentes em relação aos soldados que tinham partido em missão.
Os primeiros flocos de neve começaram a cair, para começar a nevar mais intensamente pouco depois, cobrindo toda a cidade de um manto branco, que apesar de lhe dar o seu encanto, não a ilibava da tristeza que se sentia nas ruas, casa a casa, porta a porta.
Os cascos cansados arrastavam-se pelo manto branco, fazendo estalar a neve.
Outro e outro soldado, exaustos, montados nos seus cavalos, e em alguns casos, dois ou três soldados montavam o mesmo equídeo.
Com alguma dificuldade, iam tirando os pés do estribo, um a um, estatelando-se no chão. Todos tinham regressado sãos e salvos da missão, e em vez dos oitenta, tinham regressado oitenta e um. Haviam feito um amigo pelo caminho.
Vaduz é a capital do principado de Liechtenstein. Uma cidade pitoresca num cenário memorável. Aninha-se entre as margens do rio Reno, no sopé do monte Alpspitz, a cerca de dois mil metros de altitude.
As ruas são pouco movimentadas, tudo decorre calmamente e com uma descontracção invulgar.
No bairro comercial pululam lojas de recordações e quiosques, para os poucos turistas que por aqui passam.
Subi um cabeço por uma calçada íngreme que fica por cima da cidade, onde se impõe o Castelo de Vaduz, o fortificado Schloss real. O castelo existe desde 1322, tendo sido saqueado pelos Suíços em 1499.
O cenário envolvente é extraordinário e as montanhas abraçam a cidade, emprestando-lhe uma frescura que se estende encosta acima.
Na noite anterior, subsistia em mim a dúvida se deveria fazer um desvio no meu itinerário para visitar este minúsculo país.
Pesei os prós e os contras, e tomei a decisão de desviar o meu percurso, durante umas escassas horas. Em boa hora tomei tal decisão.
A cidade é tão pequena que poderá ser calcorreada em apenas vinte minutos.
Estava de partida para a Áustria e pouco mais tinha para fazer senão esperar pelo transporte.
Sentei-me num dos muitos jardins existentes em Vaduz – em boa verdade toda a cidade parece um jardim – e enquanto estudava o meu itinerário, tomando notas e vendo o guia, preparando o dia seguinte, apercebi-me que do lado oposto alguém fazia algo idêntico.
O seu cabelo negro reluzia, reflectindo os raios de sol. Em cima do banco vários mapas desdobrados e um guia aberto que o vento se encarregava de folhear.
Desperto pela curiosidade, achei interessante alguém estar a fazer o mesmo que eu. Provavelmente estaria em viagem e preparava também o seu dia seguinte.
Continuei a tirar as minhas notas e a comer uma deliciosa sandes.
A mulher que estava sentada no banco levantou-se, virando-se de frente para arrumar os guias e mapas na mochila.
Olhei de soslaio por curiosidade e deparo-me com um rosto feliz, surpreendido e sem palavras. Não acreditando no que via, fixámos o olhar e esboçámos um sorriso em simultâneo.
Sem conseguir conter a alegria que lhe transbordava nos olhos, Penélope veio ter comigo e abraçámo-nos.
Segundo disse, também tinha tido a dúvida se deveria passar pelo Liechtenstein ou não. Tomara a decisão no último momento em que poderia apear-se. Queria conhecer este país, nem que fosse para ter mais um no seu curriculum.
Tínhamo-nos conhecido em Plitvice na Croácia, há aproximadamente dois anos, quando observávamos os ursos numa ilha perdida por entre os lagos.
E agora perdidos pelos trilhos do mundo, esta coincidência fantástica, de nos encontrarmos num dos lugares menos prováveis em isso acontecer. Numa das cidades mais pequenas do mundo.
O tempo era escasso e ambos estávamos de partida.
A Penélope ia para a Suíça, eu seguia para a Áustria.
Apanhou o autocarro e acenou pela janela. Estava feliz e surpreendida com este breve encontro, tal como eu.
Adeus Penélope, até qualquer dia, algures noutro trilho do mundo.