Por vezes é necessário recuarmos no tempo, e ir em busca das nossas origens para entender o significado de civilização, de regras e de respeito. Neste “mundo selvagem” confrontei-me com pequenas lições, onde estes conceitos são constantemente postos em prática, e ainda por cima dadas por “selvagens”.
É impossível ficar indiferente a este povo. São uma raça realmente bela, não só pelo facto de serem muito altos, robustos e terem corpos de guerreiros magros e musculados, mas também pelas suas vestes de cores muito atractivas, em que predomina o vermelho, e todos os acessórios extremamente exuberantes, muito à base de missangas transformadas em belos colares, pulseiras, anéis ou brincos.
Tive o privilégio de poder “viver” a dança guerreira, em que saltam a mais de um metro de altura ecoando um grito arrepiante, que até os leões devem ter medo. Não deve ser fácil para um leão ter um Masai pela frente.
Este ritual sob a forma de dança, em que os homens dão saltos enormes, simboliza a força guerreira, enquanto do outro lado as mulheres dão pequenos passos e entoam cânticos baixinho, representando o desejo de uma maternidade calma e doce.
Assisti também a uma pequena aprendizagem, para saber distinguir e identificar os diferentes predadores pelos rugidos, odores e pegadas.
E como recuámos aos primórdios da humanidade, foi feito fogo mesmo à minha frente, sem isqueiro, nem fósforos. Apenas uma base de madeira e um pequeno pau que, ao ser esfregado com as mãos em contacto directo na base e umas pequenas raízes secas, incendiou com uma facilidade tremenda, criando a ilusão de que é fácil fazer fogo no meio de África sem as “novas tecnologias”.
Aquele momento de magia despertou em mim a necessidade de ser mago. Também eu quis ter o meu momento de magia. Tentei fazer fogo qual homem das cavernas, mesmo correndo o risco de ser gozado, pelo facto do “menino da cidade” estar mais habituado a usar o isqueiro do que dois pedaços de madeira, mas mesmo assim arrisquei tentar.
Passou um minuto, dois minutos, três minutos, esfreguei, continuei a esfregar e nada de fogo. Nem fumo quanto mais fogo, aquilo que consegui foram uns calos nas mãos. Valeu a experiência, pelo menos não posso dizer que não tentei.
As cabanas são completamente rudimentares, dentro delas apenas existe uma cama feita de pele de animais, e uma pequena janela na parte de cima da cabana que tem um objectivo muito peculiar.
Durante todo o dia pequenos farrapos de madeira ardem dentro das cabanas, criando uma cortina de fumo para que os insectos não invadam o seu interior, saindo o fumo pela janela devido à corrente de ar que entra pela porta e sai pela janela, arrastando o fumo consigo. É um processo muito simples mas de extrema eficácia.
As crianças espalham-se aos magotes por toda a aldeia, até porque o método de planeamento familiar é completamente inexistente como se deve calcular.
Não se aproximam muito dos estranhos, talvez por não estarem habituadas ao contacto com turistas, mas como qualquer criança são tentadas pelas novas tecnologias, e adoram ver-se a si próprias quando se deparam com os seus rostos no visor da máquina digital, não evitando esboçar um sorriso ao pensarem “eh pá aquele gajo é parecido comigo”.
Por estarmos no continente Africano e este ser fértil em fauna, as moscas na aldeia são mais que muitas, estão por todo o lado, e as crianças são especialmente fustigadas por este insecto, para o qual ainda não consegui perceber a razão da sua existência. Talvez para que fosse inventado o insecticida. As crianças eram os alvos preferidos destes incómodos insectos, completamente cobertas seja nos olhos, nariz ou boca.
Este factor pode ser de algum modo perturbador para estômagos mais fracos, mas temos de ter sempre presente que estamos em África, e é esta a sua realidade primitiva, rude mas não menos civilizada que a nossa.
No final da visita deparei-me com uma situação no mínimo caricata, quando observei um elemento da tribo provavelmente mais irreverente ou mais ligado ao “mundo da moda”. Estava encostado a uma árvore a afiar a sua lança, que normalmente estão tão afiadas que conseguem cortar um fio de cabelo.
Permanecia tranquilo na sua tarefa, sem que nada fizesse que o destacasse dos demais.
As vestes eram iguais, os colares iguais, tinha o mesmo sorriso franco e sincero, mas o brinco era diferente. Em vez de missangas, tinha a orelha furada e um frasco de plástico de soro fisiológico fazia as vezes de um brinco.
Eis um excelente motivo para um adepto de fotografia. Esta era uma daquelas imagens que se dá tudo para a captar, até arriscar a vida se preciso for.
Em linguagem gestual disse-lhe que queria fotografá-lo, tendo-me sido retribuído o gesto universal de que queria dinheiro. Coloquei-lhe na mão uma nota de dez dólares, mas ele achou pouco.
Pensei que dez dólares seriam justos por uma fotografia, além disso ele também não deveria ter muitos centros comerciais por perto para poder ir às compras. Tentado pelo desejo de captar a imagem, ofereci-lhe mais dez dólares, que o Masai voltou a guardar.
Mas continuou a dizer que era pouco.
Tive pena de perder a fotografia mas achei o valor exagerado. Gesticulei, dizendo que não lhe daria mais dinheiro. Quando me preparava para fotografar, ele tirou o brinco, escondendo-o.
Eu senti-me dentro daquele balão a 200 mt de altura enquanto viajava por tão belo lugar através das palavras… Sem duvida um paraiso…
De pés bem assentes no chão, sentados num jipe percorrendo os vários trilhos, ou subindo aos céus num balão o Serengueti envolve-nos, prende-nos, arrebata-nos. É África!
Senti cada cheiro, cada imagem, cada arrepio.
Senti-me lá sem nunca ter ido a África.
Obrigado por me fazer ir a África sem sair da frente do meu portátil.