A luta pela sobrevivência, na corrida de uma vida, sem saber se esta será a última das migrações, ou se para o ano haverá mais. Correm ao sabor do vento, na sua forma mais simples, pura e selvagem, em que o objectivo é sobreviver.
O dia começou a clarear. Por cima de nós o céu azul. Não sei se eram os meus olhos mas as cores em África parecem ter mais exuberância, o céu aqui é mais azul. Por baixo, um tapete verde em todo o seu esplendor, repleto de vida, coberto por milhares e milhares de animais que vivem em completa liberdade.
Giro em torno de mim próprio num ângulo de 360º e para qualquer lado que olhe, vejo a África dos grandes espaços, de horizontes infinitos a perder de vista. Mesmo tendo o ângulo de visão privilegiado de um balão, fico com a noção de que as planícies do Serengueti, vão muito mais além daquilo que a minha vista alcança.
Ao fundo a linha do horizonte beija o céu, afinal estamos no paraíso.
Os Masai (guerreiros e pastores nómadas que vivem nas planícies do Serengueti entre o Quénia e Tanzânia) chamam ao Serengueti a zona das grandes planícies.
O voo continuou lentamente, num deslizar suave que parecia fazer parte de um todo, como se tudo aquilo, savana, animais, sol, balão e céu fossem um só, tudo perfeitamente integrado na mesma sintonia da natureza, e com uma coerência arrebatadora.
Ao fundo vislumbrámos uma cortina de poeira. Tínhamos avistado o objectivo do voo, a migração.
Continuámos a aproximar-nos sem pressas, até que sobrevoámos uma extensíssima coluna que rasgava o verde, correndo atrás das chuvas e das pastagens frescas, como se fosse uma longa passadeira negra à qual sacudimos o pó, tal era o alvoroço que ia lá em baixo.
Os machos vão lutando entre si durante a migração, com o objectivo de marcar território e agrupar o maior número de fêmeas possível. Mais à frente, e à medida que a migração avança, já é possível ver alguns de machos bem sucedidos, a liderarem grupos compostos por centenas de fêmeas na sua caminhada gloriosa.
Daqui não conseguimos ouvir o barulho ensurdecedor que ouvíamos no jipe, nem sentir o chão estremecer, mas observámos que correm para além do horizonte, com a pressa de chegar ao que determinaram ser o paraíso. Meses mais tarde regressarão, e para o ano voltarão a fazer o mesmo percurso, até que um predador, na sua busca pela sobrevivência, coloque um fim a este frenético vaivém.
É assim a vida em África, uma luta pela sobrevivência dia a dia, hora a hora, minuto a minuto.
São nove da manhã, jamais poderia imaginar que viveria tantas excitações, sendo ainda tão cedo. Chegou a hora da primeira refeição, é preciso alimentar o corpo depois de ter alimentado a alma.
O pequeno-almoço é simplesmente sublime, realiza-se no meio da savana com mesas, cadeiras, toalhas, guardanapos e tudo, nem os talheres de prata faltaram. Até uma pequena casa de banho foi montada com a inscrição “WC”, tudo isto no meio do mundo selvagem, com os animais a escassos metros do banquete e perfeitamente ao alcance da nossa vista.
Um dia de emoções muito fortes.
Não se pense que o banquete foi uma simples sandes pelo facto de nos encontrarmos na savana. Foram cozinhados ovos mexidos, bifes, bacon, e muitas outras iguarias saborosas que me souberam pela vida. Apesar daquela hora da manhã, o dia tinha iniciado bem cedo. No final, para festejar o êxito do voo, fizemos um brinde com champanhe em plena selva, de todo surrealista.
O regresso já foi por via terrestre. Continuámos savana adentro, cruzando com vários Masai que pastoreavam o gado, outros apenas circulavam, indo não se sabe para onde, uma vez que não se via nada nem ninguém, e mesmo as aldeias distavam vários quilómetros entre si.
Os Masai, vestem-se de vermelho e são um povo muito vaidoso em relação à sua imagem, quase tão vaidosos como as mulheres, cuidam muito da sua aparência cobrindo-se de colares de missangas habitualmente de cores bastante garridas.
São muito altos e orgulhosos além de guerreiros excepcionais, sozinhos são capazes de combater qualquer leão que ataque o seu rebanho, apenas com a ajuda de uma lança e um escudo. Neste momento existem cerca de 500 000 Masai nas planícies do Serengueti, tendo como principal objectivo de vida a constante procura de bons pastos para o seu gado.
Tive a oportunidade de conhecer uma aldeia Masai, apesar de não ter sido nada fácil. Foi necessário negociar com o chefe da Tribo. O único que falava um Inglês arrevesado, tendo as negociações demorado alguns minutos. Por nada deste mundo queríamos perder a oportunidade única de conhecer as condições nómadas em que vivem.
Estabelecidas as regras, e o preço, lá tive autorização para entrar na aldeia que não é mais do que um conjunto de casas em forma de Iglô, construídas com o estrume do gado, circundando uma arena com aproximadamente 20 metros de diâmetro, onde se realizam todos os seus rituais, lutas e danças tradicionais.
Os limites da aldeia são “amuralhadas” por sebes demasiado frágeis, com cerca de metro e meio de altura. Dizem que é para se protegeremfazendo-nos parecer dos animais.
As aldeias são relativamente pequenas, uma vez que habitualmente vivem em comunidades que poderão ter até cem habitantes. Já dentro da aldeia parece que recuámos no tempo, e voltámos ao mundo primitivo. Tudo é demasiado simples e genuíno, fazendo-nos pensar, a nós habitantes do mundo “dito” desenvolvido, como é possível viver com tão pouco.
Eu senti-me dentro daquele balão a 200 mt de altura enquanto viajava por tão belo lugar através das palavras… Sem duvida um paraiso…
De pés bem assentes no chão, sentados num jipe percorrendo os vários trilhos, ou subindo aos céus num balão o Serengueti envolve-nos, prende-nos, arrebata-nos. É África!
Senti cada cheiro, cada imagem, cada arrepio.
Senti-me lá sem nunca ter ido a África.
Obrigado por me fazer ir a África sem sair da frente do meu portátil.