O sol esbate-se sobre homens de pés descalços. Dobrados, puxam para si montes brancos com uma pá de pejo, num cenário marcado pela alvura do sal.
Os labirínticos canais por onde flui a água salgada desaguam em pequenos lagos, pouco cavados, onde se produz o sal.
Um espaço invulgar, esculpido pela mão humana, desde há muitos séculos a esta parte.
Homens de rostos calejados pela vida dura labutam desde o sol nascente até ao poente, dia após dia, durante uma vida.
Decorria o século XVIII, época em que o sal tinha um valor extraordinário, uma vez que era utilizado na base de conservação de variados produtos alimentares.
Nesta altura o sal era proclamado como o ouro branco, fazendo com que Salzburgo atingisse o seu apogeu económico, tornando a cidade independente e um grande centro religioso artístico e cultural.
O próprio nome da cidade está amplamente ligado a este fenómeno, uma vez que Salzburgo significa Castelo de Sal.
Romântica e tranquila, Salzburgo é uma cidade que nos aprisiona ao primeiro contacto.
Encarcerada entre as margens do rio Salzach e as montanhas, esta pérola da arquitectura barroca deixa-nos literalmente em suspenso, perante tamanha formosura.
Mozart está vivo.
Vive-se Mozart nas ruas, como se estivesse enleado. Sinto a vida e a música, as melodias que ecoam pelas ruas, criando uma aura de encantamento por quem por elas deambula.
A cidade mantém os seus traços medievais, com os edifícios muito bem preservados, e com ruelas estreitas onde muitas vezes duas pessoas não se conseguem cruzar.
Cada ruela acaba por desembocar em praças airosas, a transbordar de arranjos florais que nos arrebatam os sentidos. Um encanto!
Cada rua surpreende em relação à anterior e nas varandas floridas surgem por vezes olhares furtivos para ver quem passa.
Sentada na ombreira da porta uma senhora idosa lê um livro ao som de música clássica. À minha passagem, olha por cima dos óculos redondos e sorri-me com os olhos, para logo de seguida se compenetrar novamente na leitura.
O centro histórico é uma área predominantemente pedestre. Sem sombra de dúvida que a melhor forma de explorar a cidade é a pé, uma vez que os principais monumentos se encontram concentrados numa área relativamente pequena.
Numa homenagem ao grande génio, iniciei a minha visita pela Cidade Velha no Mozart Geburtshaus, na rua Getreidegasse número 9. Foi aqui que nasceu Wolfgang Amadeus Mozart no dia 27 de Janeiro de 1756. As pessoas aglomeram-se junto da fachada do edifício, sendo este o local mais visitado da cidade.
Todas as ruas, ruelas ou becos parecem confluir para a Domplatz, onde o burburinho dos turistas se confunde com as gargalhadas das crianças, tendo sempre como som de fundo um toque de violino de um artista de rua, que nos agracia com o seu talento.
É nesta praça que se sente o palpitar da cidade. Em frente à Catedral uma imponente estátua do mestre, onde as pessoas fazem fila para se fotografarem junto do seu pedestal.
Ao fundo, as montanhas vigilantes presenciam o reboliço organizado dos transeuntes circunspectos, ainda não recompostos perante tamanha demonstração de beleza.
As torres são incontáveis e com um sentido estético que deixa qualquer visitante enamorado ao primeiro olhar.
A catedral no meio da praça é o expoente máximo do estilo barroco, com uma impressionante fachada, onde se destacam quatro estátuas dos santos padroeiros da província.
Coches circulam carregados de turistas felizes que partem para dar uma volta pela cidade, com os cocheiros vestidos a rigor fazendo lembrar tempos idos.
Ao lado da praça surge o Residenzplatz, o largo em frente do palácio Residenz, edifício que alojou as famílias reais até ao século XIX. No centro da praça brilha uma deslumbrante fonte barroca e uma torre com um campanário musical.
Do lado oposto acedo ao Kapitelplatz, talvez uma das zonas mais emblemáticas da cidade. O Mosteiro St. Peters, o mais antigo da Germânia, com a mesma data da fundação da cidade, tendo sido aqui que Mozart dirigiu pela primeira vez a sua missa solene.
O centro histórico da cidade foi elevado a Património Mundial da Humanidade em 1997.
O seu clima romântico, as ruelas estreitas, as praças encantadoras, as casas coloridas, os palácios sumptuosos, fizeram com que esta cidade já tivesse sido considerada como uma das mais belas do mundo.
Um grupo de crianças corre atrás uns dos outros, com balões coloridos presos aos pulsos, onde o extenso relvado do Palácio de Hellbrunn parece interminável. Talvez tenham saído de algum aniversário. Num jogo do gato e do rato continuam na sua correria, quem sabe se serão as raparigas a apanhar os rapazes.
Já na zona da Cidade Nova, os jardins adjacentes ao Palácio são esplêndidos. Entre vários lagos e fontes, existem mil e um jactos de água com efeitos surpreendentes.
Dirigi-me novamente até ao coração da cidade, para a Getreidegasse, a sua rua principal. Repleta de gentes de todas as origens, as lojas e restaurantes estão apinhados de turistas e locais, numa encruzilhada constante com uma sinfonia singular.
Os letreiros das lojas possuem símbolos apelativos indicando a sua especialidade. São adornados com dourados, proporcionando um efeito fantástico quando se olha a rua de perfil.
Na colina Moechsberg, descubro uma paisagem privilegiada sobre a cidade, onde se destaca a bela Catedral e a sua praça, sobrepondo-se a um chão de telhados geometricamente alinhados.
Lá em cima, vigilante, sobre toda a cidade e colina incluída, o imponente Castelo Hohensalzburg.
Subo à mais antiga das fortalezas medievais europeias, sobre um cabeço rochoso com mais de cem metros de altura, em redor da qual toda a cidade nasceu.
O Castelo de Hohensalzburg foi construído no século XI, consagrando-me com uma perspectiva única sobre a cidade.
As torres quase que competem umas com as outras na sua grandiosidade. Por entre casas, praças e monumentos, o rio Salzach corre calmamente dividindo a cidade ao meio.
A noite caiu. Toda a cidade ficou engalanada, extravasando o seu romantismo.
Sobre os palácios e monumentos incidem focos de luz que os destacam no meio da escuridão. Parecem estar suspensos no vazio.
A sinfonia etérea permanece imutável, esvoaçando pelo ar, fazendo-nos lembrar que Mozart está vivo.