As salinas de Maras localizam-se a cerca de 50km de Cuzco (Peru), a mais importante cidade dos Andes. Nas redondezas, também é possível percorrer o Inca Trail, um trekking conhecido no mundo inteiro, que conduz até ao sítio arqueológico de Machu Picchu. Se essa caminhada é o ex-líbris da região, as salinas são, no entanto, um dos pontos de interesse que recomendo vivamente porque não é muito comum ter a possibilidade de descobrir um local acima dos 3000m que nos presenteie com um panorama de sal desta rara beleza. E foi com alguma apreensão que me propus atravessar os socalcos construídos pelos incas, imbuído de grandes expectativas em relação a essas construções escavadas na vertente da montanha. Tinha lido revistas sobre o assunto, visto fotografias, e sempre as desejei. Mas como tudo o que se quer muito na vida, nem sempre o que encontramos corresponde à verdade do que idealizámos. Por isso, após descer por um trilho durante algumas centenas de metros, quando ao virar de uma curva avistei no meio do barro avermelhado das vertentes uma mancha branca como o leite, abri a boca de espanto e concluí que o que tinha à minha frente suplantava a melhor das expectativas. Um conjunto impressionante de 4000 tanques de neve, construídos nos flancos da montanha, em sucessivos patamares que descem ao longo da vertente. Espantoso. As salinas de Maras, como uma noiva à espera da boda, espalhavam os seus folhos de sal cintilante sobre a nudez púrpura da paisagem envolvente.
Numa pequena cabana, após pagar o direito de ingresso, segui por uma vereda lamacenta e escorregadia. As botas rapidamente ficaram pesadas com a lama que entretanto se foi colando à sola. Nas redondezas, ninguém. Só o caminho, e as salinas. Enquanto descia, uma pergunta inquietava-me. Como é que aparecia todo este sal? Encontrei a resposta no curso de um pequeno regato que jorrava das entranhas da montanha. Molhei o dedo na corrente e senti de imediato o calor da água. Uma água mole, morna como a das fontes termais. Um forte sabor a sal queimou-me os lábios, depositando um pequeno resíduo ardente que se dissipou a pouco e pouco com a saliva. Um sal ainda mais salgado que o da água do mar.
O processo para efectuar a recolha desta essência é semelhante ao utilizado em qualquer outra parte do mundo. Aprisionar uma grande quantidade de água em tanques do tamanho de pequenas piscinas, esperar que ela evapore e recolher a massa branca depositada no fundo. Mas aqui, nesta altitude, entre milhares de paredões abruptos, construir tantos tanques, tantas bacias, tem algo de irreal. Os cristais vão solidificando transformando a paisagem numa enorme mancha branca, um branco intenso que contrasta com a cor ferruginosa da terra. Parece que um gigante de dimensões sobrenaturais atirou pela montanha abaixo um enorme balde de tinta e que a mesma foi escorrendo, pintando a encosta com um rasto de brancura.
À medida que descia, as cores iam mudando de tonalidade. Do vermelho ferrugem para o carmim, do castanho doce para o térreo deslavado, e no meio do colorido do piso barrento, os flocos de cristal salgado acumulavam-se sobre as paredes dos tanques. Foi uma das visões mais maravilhosas que já me foram dadas a contemplar. A paisagem transfigurada sob a acção do homem, emocionante de beleza, arte e sentido de sobrevivência humana. Era todo um poema feito de versos brancos em socalcos que se escrevia por baixo dos meus pés, por onde caminhei aturdido com tanta beleza, com tanta magia.
O carreiro desceu para o fundo do vale Urubamba que se abriu subitamente, majestoso, como um vale encantado onde vivem seres de fantasia. Não demorei muito a chegar ao rio onde me esperava um paraíso de verde e frescura. Atravessei uma pequena ponte suspensa e após mais alguns passos, lá estava o meu transporte, à espera.
Enquanto seguíamos pelo Vale Sagrado dos Incas a caminho de Ollantaytambo, disse adeus à mancha de neve que desaparecia ao longe, encovada entre as vertentes de duas montanhas, cada vez mais distante, cada vez menos visível, mas para sempre gravada na minha memória.