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Phi Phi – Paraíso na terra

O corsário velejava calmamente, deslizando sobre as águas transparentes do mar Andamão. Parado, parece um vasto chão que se estende em tons degradés, como se fosse um catálogo de tintas.

Pequenas ilhotas suspensas, parecem isoladas, sem que qualquer sinal de perigo possa derivar de lugar tão paradisíaco.

Por detrás das pequenas ilhotas que o corsário fintou, surge aos poucos o mastro hasteando uma grande vela negra, com o símbolo dos piratas, uma caveira apoiada em dois fémures cruzados.

Rapidamente se forma a frota. Mais um, e outro navio pirata que permitiram que o corsário caísse no engodo, de penetrar por estas ilhas virgens a dentro.

Tiros de canhão, são despoletados dos navios piratas que efectuam uma perseguição feroz.

O sol quase foi encoberto, pela envergadura das velas cheias pelo vento, sombreando o mar à sua frente, escurecendo as águas claras.

Os marinheiros do Corsário, recolhem umas velas, hasteiam outras, enchendo de vento a vela mestra para tentar fugir da perseguição que lhes é feita.

Os piratas desta região, mantiveram estas ilhas invioláveis desde o século XIII, criando verdadeiros cenários de terror aos navegantes que se atreviam a invadir tão paradisíaco local.

Sem hipótese de fuga, cercado entre os piratas e a terra, o comandante desembainha a sua espada junto à proa, não querendo acreditar no que os seus olhos viam.

Abruptamente saído do mar, um gigantesco penhasco recortado desafia a lei da gravidade, tocando no céu azul com os seus arbustos, que se agarram com todas as forças às rochas, resistindo firmemente aos ventos que tentam derrubá-los.

Sem escapatória possível, o corsário é afundado sem apelo nem agravo, impiedosamente pelos piratas, que faziam deste local uma verdadeira armadilha para qualquer aventureiro, que se deslumbrasse com a cor das águas.

Alguns séculos mais tarde, navegando por este mar, consigo perceber o deslumbre de quem outrora por aqui passou. Sinto-me pequeno, perante os gigantes blocos de granito que nos fazem sentir um grão de areia, tal a sua imponência.

Contornando uma ilhota e outra, que parecem ter caído do céu desordenadamente para se instalarem neste pedaço de paraíso. Olho de soslaio por cima do ombro, não vá aparecer uma vela negra hasteada por trás de nós, para nos perseguir desenfreadamente até qualquer armadilha natural, existente por aqui.

O mar é tão claro, que é possível observar os peixes a nadar a cerca de seis ou sete metros de profundidade.

Ao fundo, avista-se Phi Phi Don, como um pontinho verde, perdido no meio do oceano.

À medida que navegamos, o ponto verde vai aumentando de tamanho, até nos receber de braços abertos, como se nos desejasse as boas vindas.

O Resort para o qual fomos transportados só tem acesso via marítima, uma vez que não existem estradas em toda a ilha. A única forma de chegar a este paraíso, é de barco.

À medida que as milhas marítimas vão decrescendo, a paisagem que se nos apresenta é soberba. Ficou-me gravada na memória, como o mais deslumbrante cenário que alguma vez vi.

O mar de tons claros, dá nitidamente a sensação de que os barcos estão suspensos no ar. O areal de um branco que parece neve, é interrompido pelos coqueiros que se estendem até à montanha ao fundo. As cores aqui parecem ter outra intensidade.

Os bungalows de madeira espalham-se harmoniosamente pelo areal, entre os coqueiros e as palmeiras, fazendo parte integrante da paisagem, parecendo que também eles nasceram e cresceram ali naturalmente.

Instintivamente, o meu maxilar caiu para não se levantar mais, até me ter sido chamada a atenção de que deveria fechar a boca, sob o risco de engolir alguma mosca.

Um colar de flores foi-me colocado no pescoço, e servido um cocktail fresco de frutas que soube pela vida.

Os sorrisos são felizes, ou não fosse a Tailândia os pais dos mil e um sorrisos.

Pétalas de flores são espalhadas pelo caminho, até cada bungalow. Já lá dentro, a decoração vê-se que é feita com muito amor. Além dos aromas que nos deixam inebriados, as pétalas estão por todo o lado desde o lavatório à sanita, onde flutuava uma flor.

Estou no céu, pensei.

As Phi Phi ficam a cerca de 12 milhas marítimas de Phuket, aproximadamente a 20 quilómetros.

As ilhas Phi Phi Don e Phi Phi Ley, estão ligadas entre si por um istmo de areia de 1 quilómetro, de uma beleza fascinante, proporcionam um espectáculo grandioso através das suas praias idílicas, e penhascos escarpados, que atraem alpinistas de todo o mundo. As paredes de calcário elevam-se acima dos 300 metros.

As águas transparentes, os corais e o habitat de muitas espécies de fauna e flora marinha, tornam este local num dos mais belos do planeta.

Phi Phi Don é a maior das ilhas, entre os trilhos íngremes dos dois maciços, que proporcionam vistas maravilhosas sobre a ilha. As zonas dos soberbos bancos de coral em Hin Phae, ao largo de Hat Yao e da Ilha de Bambu, a nordeste, são as melhores zonas de mergulho da Tailândia.

A norte fica a vila de ciganos do mar, Ban Laem Tong, que vivem do peixe apanhado nas grutas isoladas. Estes ciganos são semi-nómadas, passando a maior parte do tempo no mar, sobrevivendo à custa da pesca de conchas e lagostas que vendem posteriormente ao comércio local.

Os ciganos do mar chamados de “Chao nam” são os únicos que apanham os ninhos de andorinha, uma das iguarias preferidas dos Chineses.

Phi Phi Ley permanece desabitada e quase virgem. As pinturas da gruta Viking são uma das grandes atracções. A gruta também possui ninhos de gavião comestíveis, usados na sopa de ninhos. A recolha é feita por homens que se apoiam em estacas de bambu, para recolherem os valiosos ninhos, que são guardados por homens armados. Em Ao Maia há excelentes recifes de coral.

À sombra do coqueiral, da varanda do meu bungalow, olho o mar transparente à minha frente, como se não existisse, apesar dos barcos estarem lá, suspensos. Os barcos típicos são de madeira, e têm amarrado na proa tecidos coloridos.

Espera-me um dia de mergulho, com mais quatro pessoas, dois Australianos e dois Polacos.

O barco desliza calmamente pelo mar tranquilo, enquanto passamos por penhascos recortados, devido à acção das ondas que provocam a erosão na base das rochas, abrindo fissuras que séculos mais tarde se transformaram em grutas.

Atracamos numa zona coralina. O mar é tão límpido, que sou induzido em erro com a profundidade do local.

Barbatanas nos pés, deixo-me cair para a água morna. Coloco os óculos de mergulho e testo a impermeabilidade.

Olho para o fundo, e não posso acreditar no que vejo. Um fundo multicolorido, com peixes de todas as cores a nadarem alegremente.

Os recifes são compostos de milhões de animais marítimos minúsculos, da família das anémonas e das medusas, crescendo a um ritmo muito lento. Um metro de coral poderá demorar mil anos a formar-se. Servem de fonte de alimento, e abrigo à base do ecossistema marinho.

A base do recife é composta por esqueletos calcários duros. O cimo do coral é macio como uma planta, servindo de abrigo a milhares de plantas e animais que vivem à volta do recife de coral.

Este espectáculo grandioso deverá ser preservado. Uma das recomendações que nos é dada antes do mergulho, é a de não tocar, apenas observar e memorizar.

Lá em baixo, não nos apetece subir à superfície, tal a variedade de fauna e flora única que está submersa.

Cruzei-me com um tubarão-leopardo. A pulsação aumentou imediatamente, no entanto foi-me sinalizado que era inofensivo. São muito vulgares entre os recifes, e pelo sim pelo não, optei por afastar-me um pouco mais daquela zona, nunca se sabe quando um tubarão inofensivo pode não estar nos seus dias.

De vez em quando, aparecia à janela do coral uma cabeça de moreia. Este predador voraz impõe respeito, com os seus dentes afiados.

Milhares de peixes de cores vivas olham para nós curiosos. De vez em quando uma Xaputa aproxima-se, intrigada vai vigiando os meus “passos”.

Senti uma sombra por cima de mim, pensei por momentos que fosse o barco que nos viria buscar. Quando olho para cima, uma raia enorme a planar. Deveria ter entre três a quatro metros de diâmetro, e passeava-se vagarosamente.

Recolhemos ao barco. Entusiasticamente contávamos histórias, tentando cada um sobrepor a sua voz à do outro, como se a sua história fosse a mais importante, perante o sorriso embevecido do chefe do barco.

Zarpámos, para outro local. O dia seria dedicado por inteiro ao fascinante mundo submerso.

É incrível a sensação de paz que se sente, perante paisagens tão soberbas. Quaisquer palavras, serão sempre insuficientes para descrever aquilo que os meus olhos viram.

Recomendam-me umas barbatanas, verde fluorescente. Calço-as, e não pude deixar de reparar no sorriso malicioso do chefe.

“Deverão estar a preparar-me alguma praxe”, pensei.

“Nada com elas, e terás uma experiência inesquecível”, disse o chefe da embarcação.

De sorriso amarelo, agora mais que nunca, tinha a certeza que estavam a preparar alguma.

Mil e um peixes cruzam-se comigo, e olham absortos para os meus movimentos, talvez pensando que não somos tão delicados dentro de água como eles. Peixes-palhaço são às centenas colorindo o mar azul, de uma transparência que quase parece a atmosfera.

Peixes azuis, laranjas, verdes, vermelhos, amarelos, pretos rodeiam-nos e não nos temem. Alguns mais destemidos até vêm comer-nos à mão. Senti-me envolvido numa aventura exótica.

Enquanto nado, vejo o sinal de um colega de mergulho. Um dos Polacos, apontando com o dedo para trás de mim. Olho para trás, e vejo uma nuvem de peixes verdes, quase da tonalidade das barbatanas, eventualmente atraídos pela cor e movimento dos pés. Seguiam-me num enorme pelotão, e com uma enorme curiosidade. Não sei quantos eram, mas seguramente várias centenas.

Tive o privilégio de viver uma experiência única, talvez aquelas barbatanas fossem mágicas.

De regresso à praia, no final do dia, sento-me a ver o dia declinar.

O mar assume os tons de prata, enquanto vai beijando ao de leve a areia, com uma delicadeza de namorados.

Gostaria de poder traduzir por palavras o que os meus olhos viram. De ter a capacidade de escolher os adjectivos adequados e construir as frases perfeitas, mas jamais o conseguirei fazer.

Preferi não a descrever. Escondi todas as frases perfeitas e os adjectivos, naquele pedaço de paraíso. Enterrei-os numa praia deserta, como se fosse um tesouro escondido.