O sol acabara de se levantar. Um pouco preguiçoso, mostrava-se timidamente entre uma e outra nuvem. Chovera na noite anterior, mas o dia prometia trazer o seu brilho.
Documentado com um pequeno mapa onde fazia referência aos locais a visitar, e munido da minha inseparável Nikon, saí para o frio da manhã disposto a fotografar a preto e branco a bela cidade de Estocolmo.
Estávamos nos finais de Setembro e o ar que vinha do mar era tudo, menos ameno. Ao atravessar uma das muitas pontes dei comigo a aconchegar a gola da camisola. Era o efeito do ar límpido mas frio que inundava a cidade.
Atento a tudo aquilo que pudesse resultar numa boa foto, ia disparando aqui e ali, num caminhar sem pressas.
O arquipélago de Estocolmo é composto por cerca de 24.000 ilhas e ilhotas de recifes, mas só 150 são habitadas, sendo a cidade formada por 14. Não tendo a pretensão de visitar todas elas, queria ver o máximo que os meus olhos abrangessem e a minha máquina fotográfica conseguisse captar.
Uma rua estreita de empedrado irregular, um lampião solitário aguardando a noite, uma bicicleta parada no tempo, uma porta mal fechada, tudo despertava a minha curiosidade de fotógrafo.
Caminhava sem pressa de chegar, ao sabor do vento nórdico que soltava as folhas das árvores e agitava as águas dos canais.
Dei comigo numa das avenidas mais elegantes da cidade, a Strandvägen, onde os edifícios de fachadas imponentes competem em beleza com os barcos ancorados ao longo do cais. Majestosos, de madeiras envernizadas e dourados polidos e reluzentes, a maior parte arvorando a bandeira nacional, são admirados pelos muitos turistas que ali passam.
Aproximei-me. Olhei mais de perto e imitei o gesto que vira fazer a outros. Um pouco acanhado por tamanha leviandade, dei comigo subindo a bordo de um desses barcos. Sob os meus pés a madeira rangeu. O movimento doce das águas embalou-me e deixei-me cativar.
Ao meu redor havia um sem número de motivos para fotografar. Em pé, de cócoras, de joelhos ou quase deitado no chão, não importava a posição do fotógrafo, mas sim o resultado final.
Cordas, velas, mastros, madeiras e metais há muito que tinham perdido o brilho das coisas novas. As madeiras não eram mais envernizadas, os metais estavam manchados pela água salgada e as amarras encontravam-se sujas e gastas pelo passar das mãos.
Era um barco que em tudo contrastava com todos os outros, mas que mantinha a beleza das “coisas velhas, sem idade”.
“Posso ajudar?” Alguém perguntou por detrás de mim.
“Obrigado. Estou apenas a tirar umas fotos e a imaginar como teria sido este barco nos seus tempos áureos.” Respondi um pouco decepcionado por não dispor naquele momento, do barco só para mim.
Queria apreciá-lo com mais pormenor e não estava na disposição de entabular conversa com um estranho.
“Vejo que é turista, ou pelo menos parece. Há quanto tempo está em Estocolmo?”
Não querendo ser indelicado respondi que tinha chegado no dia anterior, ao fim da tarde.
Vendo que o homem não estava na disposição de se ir embora antes de mim, resolvi despedir-me e afastar-me.
“Não gostaria de conhecer Estocolmo vista do mar?” Perguntou-me na altura em que eu já pisava o cais.
“Sim, claro. Estou a pensar de comprar um bilhete para um passeio de barco”
“Vendo o seu gosto pela fotografia, aceita um convite para ver a cidade de um outro ângulo? É só subir novamente a bordo e em poucos minutos estamos prontos a partir”.
Fiquei sem palavras. Estava incomodado por um estranho ter interrompido a minha criatividade fotográfica e afinal, o estranho ali era eu.“
Este barco é seu?”
“Não sei se é ele que é meu, se sou eu que sou dele. É um amor de muitos anos. Suba e conto-lhe um pouco da nossa história”.
Enquanto o Sr. Larson soltava as amarras e preparava o barco para largar o cais, foi-me contando um pouco da sua vida. Tinha adquirido o “Amarrado ao Mar” há muitos anos, era ele ainda um jovem recém-casado. A paixão que nutria pelo mar e pelos barcos era partilhada pela sua esposa. Foi na sua companhia que fizera muitas viagens, conhecera outras gentes, outros locais.
Pelas minhas contas o Sr. Larson já deveria ir na casa dos setenta e muitos, apesar da sua energia e vigor parecerem dizer o contrário.
Ficara viúvo havia quinze anos e a partir daí, as suas viagens limitavam-se a longos passeios pelas ilhas de Estocolmo.
Confidenciou-me que estava sentado num banco bem perto dali observando a curiosidade dos transeuntes pelos barcos ao longo dos cais. Poucos eram aqueles que se demoravam junto do seu. Envelhecido e sem brilho, destoava de todos os outros de metais reluzentes e madeiras polidas.
Ficou feliz quando viu que me atrevi a subir a bordo e me detive a fotografá-lo. Ficou a observar todos os meus esforços para captar as melhores imagens. Viu o meu interesse pelo seu velho companheiro e resolveu presentear-me com um belo passeio.
Estocolmo é uma cidade lindíssima vista do mar. Mentalmente eu ia tomando nota de locais a visitar, que o Sr. Larson me aconselhava com conhecimento de causa.
É por estas e por outras que Estocolmo é uma das minhas cidades europeias favoritas. Ainda ontem estava a magicar viver lá por um mês.
A descrição, da forma apaixonada como foi feita, permite-nos adivinhar o porquê da doce nostalgia na despedida, o ultimo olhar de forma a garantir que a sua beleza iria ficar perpetuada na lembrança… como um barco amarrado ao cais.
Gosto da forma como me foi dada a conhecer a cidade… ficou no fim a doce vontade de me deixar amarrar pelos encantos de Estocolmo
Ainda bem que existem pessoas que partilham as suas experiências, para que quem ,nunca viajou até estas belas cidades fique com uma imagem do que são e ao mesmo tempo, com um desejo imoral de as visitar e absorver.
Este é um dos países dos meus sonhos e que infelizmente ainda não tive oportunidade de conhecer. E é claro que está na minha lista de prioridades, para disfrutar ao máximo e quem sabe vivenciar experiências idênticas.
Parabéns pelo texto. Conheci Estocolmo há já alguns anos e ao ler esta crónica, revi-me em todos aqueles lugares.
Espero que o autor do texto continue a fazer-nos viajar através da sua escrita.
Mais descritivo era impossível!!!
É sempre bom estarmos a ler uma história e sentirmos presentes na perspetiva de figura principal, mesmo que não tenhamos estado lá!!!
Muito giro!!
Fiquei amarrada à história e com desejo de conhecer Estocolmo.
Voltei a viajar por Estocolmo ao ler esta Crónica de Viagem. Este relato é um excelente convite para conhecer esta bela cidade. Até consegui sentir o ar frio que vem do mar, e ouvir o ranger das madeiras envelhecidas da embarcação do Sr. Larson.
Adorei a sensibilidade que foi colocada na história. Fiquei com vontade de conhecer Estocolmo, quem sabe se será já neste verão.