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    Categories: Crónicas de Viagem

Merzouga – Chá do Deserto

O sol tórrido presenciava a passada lenta dos camelos, caminhando sobre a areia escaldante, quase envoltos numa ténue sonolência.

A caravana seguia um trajecto imaginário, conduzido pelos cameleiros, num silêncio sepulcral em busca do vazio.

Envolto em panos, qual tuaregue, tentava abrigar-me do sol da forma que podia. A água que levava no cantil, já tinha aquecido. Parecia estar a beber chá a cada golo.

O movimento ritmado e lento das passadas dos camelos, quase nos faz entrar numa espécie de dormência, perante uma paisagem quase sempre igual.

Para qualquer lado que olhasse via dunas, e mais dunas, todas iguais, todas diferentes.

No meio do deserto senti-me um grão de areia, perante aquela imensidão absurda. Todo aquele silêncio empurra-nos para a insignificância da presença humana, faz-nos sentir frágeis.

A visão das dunas é assombrosa, algumas chegam a atingir duzentos e cinquenta metros de altura, numa perspectiva impressionante.

Ao longe, uma mancha verde quebra a rotineira paisagem.

Sorrimos uns para os outros em silêncio, o calor mal nos permite falar.

Será uma miragem?

Espero que não.

À medida que nos aproximamos, o verde torna-se imenso, e o ar cada vez mais respirável e fresco.

Apesar de sabermos que existem oásis, é como se fosse um milagre, no meio de um ambiente tão árido e seco, surgir tão frondosa vegetação. Palmeiras e tamareiras por tudo quanto é lado, além dos preciosos poços que aproveitamos para nos refrescarmos, abastecer os cantis e dar de beber aos animais.

A paragem é breve, há que partir, enfrentar essas areias escaldantes e perdermo-nos por essa solidão mágica.

Navegamos por esse mar de areia, com várias tonalidades, consoante os relevos estejam ao sol ou à sombra. Por sua vez as dunas vão se dissipando à medida que estão mais distantes, e a minha vista deixa de as alcançar.

O vento uiva ao longe esculpindo-as num só sopro, dando-lhe formas esbeltas e torneadas, algumas mesmo sedutoras.

A caravana pára por breves minutos, um dos cameleiros avisa que poderemos estar sujeitos a uma tempestade de areia. O vento mudou de direcção, soprando agora de nordeste.

Não muitos minutos depois, as piores previsões concretizam-se e somos apanhados no meio de uma tempestade de areia.

Os camelos continuam a sua caminhada, agora mais lenta que nunca, enquanto eu tento apenas abrigar o rosto, da nuvem de areia que nos envolve. Sinto a areia embater violentamente contra mim, agarro-me às rédeas com todas as forças que tenho, para não cair, e deixo-me levar na esperança de ultrapassar este obstáculo. A névoa misteriosa massacrou a caravana durante breves minutos, para ir acalmando até se dissipar por completo.

A tempestade passou, estamos cobertos de areia e pó, mas felizmente toda a caravana está bem e sente-se compensada por esta experiência assustadora.

“Um dia haveremos de contar aos netos”, pensa a maioria.

As condições de sobrevivência são duras, os vestígios de água são raros, normalmente trazidos pela humidade da noite ou pelas escassas chuvas que teimam em não cair.

Absorto nos meus pensamentos, inebrio-me com o lugar, com a solidão, o silêncio, o infinito, e as cores que me fascinam por serem tão reais.

Tento encontrar uma definição para “deserto”, como se fosse possível definir algo tão misterioso e tão vasto. Penso que terá uma definição muito pessoal, mas jamais alguém conseguirá defini-lo, sem o viver, sem o sentir.

A forma de vida simples dos berberes em condições extremas, é uma lição de vida para qualquer ser humano.

Como é possível terem tudo no meio do nada?

“É aqui que vamos acampar”, gritou um dos cameleiros apontando com o dedo para uma das muitas dunas que desfilavam à nossa frente.

Enquanto montavam o acampamento improvisado, foi-nos servido um delicioso chá de menta, que nos refrescou o corpo e a alma.

O dia ia perdendo forças. Subimos ao cimo de uma duna e observámos o mar de areia à nossa frente, ondulado pelas dunas cor de laranja, que nos extasiaram os sentidos.

O silêncio é de ouro, como o mar de areia que ondulava diante de nós. Poderia tentar descrever o que senti naquele momento, mas não há palavras que consigam definir tamanha grandeza, do espectáculo que me foi dado ver. Jamais esquecerei.

Do outro lado na penumbra, os camelos descansavam, tendo como pano de fundo um céu ardente e avermelhado, destacando as suas silhuetas num quadro perfeito.

Permanecemos em silêncio, com os olhos a brilhar, estarrecidos, apaixonados.

O silêncio só foi quebrado à hora do jantar. O dia tinha sido exaustivo e o corpo exigia mantimentos, amanhã seria mais um dia, e tudo seria igual a hoje.

A noite continuava quente, e enquanto estávamos sentados à volta da fogueira foram distribuídas as tendas, uma para cada duas pessoas.

Meti-me no meu saco cama e deitei-me na areia fofa, tendo como tecto um oceano de estrelas brilhantes, que quase se confundiam com o brilho dos meus olhos, e me protegeram durante a noite toda.

O dia alvorou, a estrelas tinham dado lugar ao sol que rompia ao fundo, e novamente em tons alaranjados, dando vida ao mar de dunas que se tinham escondido no breu da noite.

Comemos algumas coisas leves, acompanhadas com o tradicional chá de menta, e encetámos os preparativos para mais um dia de caminhada.

Uma a uma as dunas iam-se levantando, sonolentas e preguiçosas, espreitavam-nos umas por cima das outras, como se estivessem surpreendidas por termos despertado primeiro que elas.

A caravana partiu novamente pelas areias infinitas do deserto, à descoberta dos mistérios indefiníveis, perdendo-se ao longe no vazio, à procura do nada numa terra de tudo.