o cercado fica no monte. é um pedaço de terra onde nos procuramos encontrar.
umas amendoeiras. uns cactos. estevas. dessas já secas e que se partem, que levamos para nos guiar e abrir caminho.
sobreiros. bolotas. sempre se provam as bolotas. um cercado. um pedaço de terra rodeado de pedras. que o delimita. sem percebermos que afinal no seu interior tudo nele são pedras. nada mais que pedras.
onde nos primeiros dias de inverno, o vento assobia e nos traz essa música própria da estação e nos primeiros dias de verão sopra a única brisa amena no meio deste calor tórrido, sufocante, desta terra que não é algarve, que não é alentejo, que não é andaluzia. que fala uma língua própria, que todos entendem. a linguagem da memória. ao longe , não muito longe, na linha do horizonte, naqueles montes a lembrar dentes de serra, falam outra língua, neste canto que quis a natureza separar, mas que quis o homem que os afectos fossem a ponte desta união secular.
olhamos as pedras. e as suas estórias. cada pedra representa uma estória. cada pedra fala. olhamos as pedras e num instante tudo renasce. tudo volta a ter vida e o ritmo dessa memória que ainda se perpetua. ao largo pocilgas. um burro. uma égua. arramadas. galinhas. patos. uma lareira. uma cafeteira. e as estórias próprias em que se contam os minutos como se fossem dias. lasca-se um bocado de pão. azeitonas. presunto. um copo. cantigas. um largo. um tabuleiro. meia dúzia de pedras sobre a mesa. num xadrez onde todos somos peões.
há de chegar o tempo das festas. em que todos se aprumam. as mulheres se tornam ainda mais mulheres. nesses bailaricos próprios de aldeia. em que os moços se encostam no beirado de um balcão e as mulheres fazem a festa. indiferentes aos olhares ou talvez não. desses moços ainda jovens, já com as marcas do tempo estampada no rosto. meia dúzia de rugas a crescer. numa pele rígida. áspera. e as duas mãos dadas. no meio de um qualquer cercado. no meio das pedras. num final de noite. de madrugada. olhando as estrelas. olhando os montes. vês? além ao longe, aqueles montes a lembrar dentes de serra, é onde me escondo. é onde procuro o sustento. o meu e o teu. dizem que és contrabandista. também dizem que o homem foi à lua. mas és. não. sou astronauta.
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