Os desafortunados que chegam por Manágua deparam-se com o insólito, como se a sucessão de tragédias (terramotos, revoluções de fachada, nepotismos…) tivessem entorpecido as vontades. O centro de Manágua, outrora um exemplo de arquitectura colonial, não existe. Destruída por um terramoto em 1972, a cidade assim se manteve as últimas décadas, com a maior parte dos despojos convertidos em atracção turística e numa pobreza concupiscente. Por exemplo, a sinalética da indicação de lugares foi banida e no seu lugar colocaram-se árvores com inscrições gravadas à navalha. Há lupanares e salas de jogos onde antes funcionaram edifícios estatais (a parte menos má). As ruas da periferia são ainda hoje uma espécie de parque de campismo selvagem com um elenco invulgar de trabalhadores e campesinos em amena confraria campista.
Manágua conserva o karma socialista, o humor latino e o sonambulismo. A impressão de Manágua é a de que sabemos que mora ali alguém, mas achamos sempre que estamos numa cidade fantasma e os seus habitantes são velhas sentinelas empalhadas. Depois, pode mudar-se de enredo e paisagem em escassas horas. Por exemplo, a cidade de León, antiga capital colonial do país, fica a meia hora de carro de Cerro Negro. A Oeste chega-se às enseadas do Pacífico e aos “surf points” (San Juan del Sur, ou a menos turística Maderas) numa hora de marcha lenta. As marcas da guerra civil devastadora que tomou o país na década de 80, depois da ditadura de Somoza derrubada em 1979, chegam-nos aos olhos apenas pelos relatos dos campesinos ladinos que insistem em viver segundo o padrão tradicional. Nas aldeias do caminho, todos dirão que o malogrado guerrilheiro liberal Augusto César Sandino se acantonou ali. Diante de sorrisos como aqueles que parecem dizer “el amor a la naturaleza es una forma permanente del amor de la vida”, só podemos consentir na pequena mentira.