Eu estava lá quando tudo aconteceu. Naquele dia de Dezembro. Os heróis foram libertados! E as sanções vão ser levantadas, os Estados Unidos da América admitem normalizar as relações com Cuba. Mas para eles o que interessa é que os seus homens voltarão a casa. Gerardo, António e Ramón. Três dos cinco agentes secretos cubanos detidos na Flórida. O chamado Grupo dos Cinco. Enquanto o mundo comenta o fim das sanções e da clausura do país, os cubanos festejam o regresso dos seus heróis. Do resto pouco se fala. Inteiro-me das novidades quando leio o Granma, o órgão oficial do Partido Comunista, publicado diariamente, e que custa cerca de três cêntimos de Euro. Vou bebericando do copo de rum que à minha frente descansa na mesa. Está calor, estou numa esplanada em Santa Clara, a cidade icónica de Che Guevara. Estou rodeado de homens locais, algumas mulheres. Todos indiferentes às novidades. E, vá-se lá saber porquê, o pensamento flui-me para Havana. Dentro de dias voltarei, e surpreendo-me ao pensar nesse retorno à capital cubana como um regresso a casa.
Porquê? Porquê que Havana tem este efeito sobre mim? Não sei. À distância de meses ficaram na memória os momentos. Será isso? A riqueza das experiências proporcionadas? Aquele fim de tarde junto ao paredão, onde um trovador de voz de mel vai cantando acompanhado à guitarra, a uns quantos metros de um casalinho de adolescentes que lançam papagaios com a expressão de maior felicidade que me lembro de ter visto num humano… as refeições de rua, aquelas pizzas deliciosas cobertas de queijo caseiro e pimento que se compravam por tuta e meia entre uma multidão entusiasmada… aquelas viagens a bordo dos táxis partilhados, com um casal afro sentado no banco da frente, ao lado do condutor, e a música latina evadindo-se do rádio que vai cantando, sem parar, desde os anos sessenta, e que dá um ambiente muito Dirty Dancing aquelas viagens…
São também as pessoas. O professor Gregório, que fala português fluente, uma marca dos seus anos de guerra civil em Angola, de AK-47, lado a lado com os camaradas do MPLA, e que dá agora aulas na universidade, com um masters em biologia, que lhe vale 35 Euros mensais como ordenado. Joel, taxista, um coração puro que move uma honestidade a toda a prova e que se fez um amigo. Carlos Rafael, antigo tenente-coronel da Força Aérea, que aos comandos do seu Mig-23 também passou por Angola e que gosta de beber rum a rodos para depois “bailar” pela noite dentro. Aquele casalinho novo, que meteu conversa na rua, apenas para, como disseram, “viajarem” um pouco às cavalitas das estórias dos estrangeiros. O jovem que começou uma conversa tentando-me vender um tour por Havana e que acabou a comer amendoins comigo e com o pai que entretanto aparecera por ali. E todos os outros, havaneses sem nome, mas com um sorriso e uma palavra simpática, que fizeram da minha visita algo tão especial.
Em Havana senti-me bem, podia viver ali. Naquela Havana que conheci. Provavelmente já não tão austera como a dos anos duros do regime de Castro, e certamente mais genuína e agradável da que vem ai, nos dias que se aproximam, e que farão de Cuba um novo Porto Rico. A Havana do malécon (designação para avenida marginal), da gelataria Coppelia, do glorioso Hotel Nacional. A Havana das ruas fervilhantes de vida, cheias de gaiatos que jogam futebol ou ao berlinde, de vizinhos que trocam novidades, de jovens que namoram, das ruas que soam a risos.
Há também a Havana que começa a ser turística. É sobretudo a Havana Velha, de ruas parcialmente restauradas, onde vivem, como sempre viveram (ou pelo menos desde 1959) cubanos sem posses que partilham o seu quotidiano com as legiões de estrangeiros que já vão invadindo a zona. Pelas ruas, misturados com o tráfego, ruidoso, altamente poluidor, passam as relíquias imaculadas, carros clássicos mantidos ou renovados para levar os turistas a dar uma volta. Cruzam-se com os seus irmãos pobres, viaturas da mesma geração que servem de táxis partilhados e que se vão arrastando como podem.
Aqui encontram-se os elementos icónicos: o Hotel Dois Mundos, procurado por Ernest Hemingway nas suas deslocações à capital do país onde viveu tantos anos. Logo defronte o café frequentado pelo nosso Eça de Queiroz quando foi aqui embaixador de Portugal. É uma Cuba estranha esta, maquilhada para agradar ao visitante, quase sempre vindo dos luxuosos resorts de Varadero para passar um dia, como alguém disse um dia, “a brincar aos pobres“.
Mais afastada, seguindo junto à orla costeira, encontramos a Havana cool, onde vão os modernos cubanos, debater, criar, discutir livros e ver filmes, comer, beber e dançar. Começa logo no Vedado, um enorme bairro que ajuda a compreender como é que Cuba detinha à data da chegada ao poder de Castro da mais vasta classe média da América Latina. E segue mais além, por Miramar. São bairros onde os turistas já não chegam, concentrados que estão na visita rápida e enquadrada ao centro do centro.
Como chegar: talvez a melhor forma seja procurar os voos mais económicos para Cuba com a ajuda da Rumbo. Onde ficar: só posso recomendar a minha amada Casa Branca, onde o imaginário se casa com a realidade. Quando ir: os meses de Verão serão os menos convenientes; é quando chove a sério e podem passar por ali uns furacões nada agradáveis; Novembro ou Dezembro parecem ser boas opções.
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