No seguimento do canal Prinsengracht, dou comigo no Westrkerk, a igreja com a torre mais alta da cidade, cerca de oitenta e cinco metros, encimada com a coroa imperial de Maximiliano, de onde é possível desfrutar de uma vista deslumbrante sobre a cidade. Dizem que Rembrandt foi sepultado nesta igreja, apesar do seu túmulo nunca ter sido encontrado.
Muito perto situa-se a casa de “Anne Frank”, local onde se refugiaram duas famílias durante dois anos, os Frank e os Van Daan, num pequeno esconderijo atrás de uma estante giratória. A Gestapo deteve-os no dia 4de Agosto de 1944 na sequência de uma denúncia, tendo sido levados para os campos da morte. Otto Frank pai de Anne foi o único sobrevivente. Quando regressou encontrou um diário escrito pela filha durante os dois anos de recolhimento, quando tinha apenas 13 anos.
O seu diário foi publicado, traduzido em várias línguas dando origem a um filme que comoveu o mundo.
O meu mundo a preto e branco continuava, conseguia ouvir o marchar das botas dos soldados da Gestapo, e o terror vivido nestas ruas quando alguém era capturado para os campos de concentração.
Bicicletas estacionadas junto dos canais, todas elas pretas, todas elas parecidas. De vez em quando a tal brisa colorida emanada pelas Holandesas de pernas longas e belas, moldadas pelo ciclismo.
Olho de perfil para o Egelantiersgracht, um canal repleto de árvores em toda a sua extensão, que narcisistas se reflectiam nas águas, e que é atravessado por inúmeras pontes.
Neste canal as casas têm um aspecto mais popular, uma vez que o canal foi escavado por operários seguindo o curso de um antigo canal de drenagem. As características originais mantiveram-se, como os edifícios antigos, e corredores decorados a azulejo.
As casas são sóbrias mas soberbas. Construídas com tijolo burro as fachadas destacam-se pelo seu conjunto, apesar de cada uma ser diferente da outra. O equilíbrio arquitectónico emerge pelas ruas.
Sigo o curso de água do Amstel, sempre ladeado de casas, árvores frondosas, igrejas de madeira e pitorescas casas flutuantes.
A ponte Blauwbrug, ornamentada por esculturas em pedra de temas marinhos, tendo sido inspirada na ponte Alexandre III, de Paris.
Uns metros à frente, a mais célebre das 1400 pontes existentes na cidade, uma réplica da original do século XVII, a Magere Brug. Construída em madeira no ano de 1670, foi construída para durar cinquenta anos, resistindo até aos dias de hoje apesar das constantes renovações. É uma ponte dupla basculante sendo elevada por um guarda de vinte em vinte minutos para a passagem de barcos.
O sol descobre por mais uns minutos, conseguindo espreitar pelas nuvens cada vez mais escurecidas, levando as esplanadas a encherem de rompante, não sobrando uma única cadeira ou mesa disponíveis.
Seguindo sempre junto à margem do canal, o Bloemenmarkt apresenta-se majestoso, a transbordar de flores.
Bloemenmarkt é o último mercado flutuante da cidade. Os barcos encontram-se atracados ao cais, cobertos de flores, arbustos, plantas e bolbos. Um encanto para os olhos, no país das flores.
No Bairro dos museus, situa-se o Museu Van Gohg, que faleceu em 1890 quando estava prestes a ser reconhecido. Os grandes génios normalmente acabam por morrer na miséria, e serem reconhecidos apenas após a sua morte.
Theo, o seu irmão mais novo acabou por reunir uma colecção de duzentas pinturas e quinhentos desenhos. Fazem parte da colecção permanente do museu essas obras e cartas trocadas entre Van Gohg e o irmão, tal como algumas outras obras de amigos e artistas.
Começou a chover, e o céu agora estava completamente cinzento chumbo. Quando saí do museu, vagueei um pouco pelos maravilhosos jardins que circundam o Rijksmuseum, enfeitados com estátuas de bronze, por entre os arbustos bem tratados e a viçosa relva.
Dirigi-me até à Praça Dam onde se iniciam os passeios mais bonitos do canal de Amesterdão.
Esperei um pouco pelo horário de partida, entrei num barco apinhado de turistas, sentei-me próximo da janela e mantive-me observador.
O barco com a cobertura em vidro permite uma visibilidade completa sobre qualquer ângulo da cidade, oferecendo uma óptima panorâmica.
Não precisei de cerrar os olhos e imaginar, a cidade estava toda em tons de cinzento como se fosse a tal película a preto e branco.
As cores estavam esbatidas transmitindo-lhe mais encanto e sedução.
Enquanto as águas do Amstel eram vagarosamente cortadas pela quilha do barco, a cidade passava por mim quase em forma de despedida, mais engalanada que ontem e mais bonita que nunca.
Aos meus olhos Amesterdão será sempre uma película a preto e branco, cheia de pormenores, de encantos escondidos num primeiro olhar, mas sempre bela e receptiva a quem a queira conhecer.
Segui por canais, cruzando-me com pequenos barcos. As copas das árvores continuavam espelhadas nas águas, as belas mulheres de pernas altas a pedalar graciosamente nas bicicletas que parecem todas iguais, enquanto os pingos de chuva caíam no rio formando um círculo à sua volta.
Tentei memorizar todos aqueles tons de cinzento, mas eram milhares, cada um como seu sentido, cada um com a sua tonalidade.
Olhei para o horizonte e fechei os olhos, até tudo ficar escuro e o cinzento passou a negro.
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