Todo o Marrocos citadino é destino de eterno retorno para quem consiga pairar “au-dessus de la mêlée”, que é como quem diz, acima da confusão. Na casa dos árabes, ou seja, de Tânger à Turquia, o caos é uma forma de harmonia sem conflito. Como se outro cenário, do tipo suíço, por exemplo, fosse um presságio de loucura, um convite ao desvario. Comecemos por Agadir, o destino balnear da burguesia berbere – também “chez les árabes” há destas coisas malsãs.
Vista de raspão, a cidade tem ares de Albufeira no pino do Verão, embora numa variante menos camone e mais moscovita (os novos russos já deram a esta costa). Porém, ao demorarmos o olhar, vemos mais qualquer coisa do que tovariches a emborcar absintos “a la menthe” e a exibirem as tatuagens do camarada rublo, enquanto abanicam os dirhams (e falarei já a seguir dos ditames do dirham).
Vemos uma paisagem feliz de estrangeiros de variada procedência unidos pela adoração ao Sol e ao ritual da comida e da bebida — a maioria livres das punições do Ramadão. Vemos uma praia a perder de vista que o mais certo é ir dali ao Cabo da Boa Esperança e cujas únicas tormentas para os viajantes incautos serão os futebóis dos discípulos de Zinedine Zidane. Nada como uma bolada na testa para dissuadir um viajante a uma ida ao areal, o que neste caso é um mal menor.
A praia quilométrica e banhada por um Atlântico turvo é apenas um dez avos do manancial de apelos da exótica comarca de Agadir. A mim falou-me mais ao coração a subida do promontório do antigo kasbah, que apesar de devastado por terramotos e turistas bulímicos ainda é o mais adequado posto de vigia e contemplação. E lá do alto da gávea, entre camelos em pousio, músicos ociosos e aladinos sardónicos derramados sobre tapetes de sarja, a panorâmica deste maravilhoso recanto de cânticos leva-me de viagem da pesca à poesia sufi.