É com o som tropical de Buena Vista Social Club que estas linhas vão saindo (click aqui para partilhar da envolvência sonora). E é com o mesmo som que a memória flui para os dias de Havana, aquele romântico tempo em que um imaginário pessoal encontrou a realidade nas ruas desta cidade. Era tudo tal e qual como esperava. O calor húmido, o rum servido a rodos, os cafés cosmopolitas frequentados por norte-americanos, os carros espadaúdos, as ruas de casas e gentes paradas em décadas passadas. Esta é ainda uma das raras viagens que nos transportam em dois vectores: no espaço mas também no tempo.
No centro do que foi o meu mundo durante a semana de Havana, uma senhora casa, que é uma “casa particular”, a designação para o turismo de habitação oficial de Cuba, a alternativa possível aos hotéis convencionais, a possibilidade que coloca o viajante mais próximo da realidade cubana, do povo deste país. Existem centenas largas, senão milhares destas casas. Quem lá vai tem duas hipóteses: ou estuda os seus perfis, dispostos em meia dúzia de websites criados para o efeito, ou simplesmente aparece por lá e procura de improviso a que lhe convier.
No caso da capital de Cuba, depois de algumas hesitações feitas de avanços e recuos, encontrei. Foi aquela sensação: é isto! Assim que abri a página soube que estava ali a casa que queria minha até ao fim do meu tempo de Havana.
E quando cheguei, já noite dentro, suando ainda, literalmente, para me habituar ao clima, os meus olhos brilharam porque a confirmação foi imediata: era mesmo aquilo.
A Casa Blanca está no malécon, que é o termo que designa uma avenida marginal, e que em Havana calha a ser um ponto de encontro importante, um sítio onde se vai para ver e ser visto, para tocar música, para esticar as pernas. O malécon é, também ele, uma ponte entre a cidade real e o imaginário. Se se fechar os olhos e se se desejar com muita força, ao reabri-los podemos dar conosco rodeados daqueles carros faustosos dos anos 50, que circulam num asfalto ladeado por edíficios que ali estão desde há meio século. É mais uma vez o tempo a pregar-nos uma partida.
Das varandas da sua sala de estar podemos sentir o vapor de água que por ali anda, filho da colisão das vagas com o paredão. Dizem que em dias de tempestade as colunas que se levantam tudo enchem de água, chegam a agredir as fachadas destes prédios, seis faixas de rodagem distantes. Mas naquela noite o rei Neptuno estava calmo. E foi à conversa com o velho Jesus – que faz anos no mesmo dia que eu e, coisa rara em Cuba, é adepto de futebol – que o sono chegou. Subi ao quarto e deixei-me embalar. Cedo terão chegado os sonhos, que naquele dia o eram dentro de um outro sonho, maior.
Com a luz do sol a casa tinha ainda mais charme. Primeiro, ao raiar do dia, muito cedo, o horizonte enchia-se de tons alaranjados, quando a aurora vinha reforçar a iluminação da marginal, os primeiros carros rodando, o polícia de giro zelando pela tranquilidade daquelas paragens. Depois, já a meio do dia, o sol entrava pelas frestas dos taipais de madeira, e ocorreu-me que aquilo se repetia quase todos os dias nos últimos cem anos. Apesar de renovada a casa estava ali desde 1922. As colunas que se erguem na sala são originais. A mobília não o será, mas descobri que para bem da ilusão deveria ignorar o detalhe.
Porque o branco que domina a casa é importante. Totalmente. Nas paredes, nas cobertas das camas, nos móveis retro. É o charme reinventado, o decadente transformado em essencial. Nada daquilo seria o que é com um arranjo novinho em folha com selo IKEA. O que faz aqueles espelhos serem verdadeiramente belos é o cromado interior que vai escamando. O que o acesso ao quarto tem de especial é a madeira que range, o corrimão vulnerável que ameaça cair a qualquer momento.
Abrem-se as portadas, de par em par, em grande estilo, e ali está ele, o mar das Caraíbas, que com o rufar das ondas parece repetir até ao infinito… “bom-dia, bom-dia, bom-dia”. E foi. Um bom dia. Esse, e o outro, e o seguinte, e depois, regressado de uma volta pelo país, todos os outros que ainda passei em Havana.
Na hora da despedida algo apertou aqui dentro, no coração. Aqueles foram dias felizes. As muchachas desfizeram-se em beijos e abraços e saudade antecipada expressa em palavras. Ofereceram um último chá, tomado com vagar até à chegada do Joel, o taxista que me levaria ao aeroporto.
Falámos de tudo. Das nossas impressões de Cuba, do futuro. E dos dias que ali passámos, dos conselhos preciosos que nos deram, dos serões à conversa à luz quente daquela mesma sala, com o som do mar como música de fundo. E quando finalmente aquela porta se fechou atrás de mim, ficou algo para trás. Ainda olhei uma última vez, tentando reconhecer a perda, mas não consegui perceber o que foi.
A Casa Blanca na net: não, não ganho comissão, mas como um amigo que me tornei tenho que divulgar. Se considerar visitar Havana e quiser tentar ficar na Casa Blanca, poderá reservar contactando directamente o proprietário, Yosvani, ou usando um dos diversos portais de casas particulares em Cuba, como o CasaParticular.com, o CasaInCuba.com ou o CasaHavanaParticular.com. O website oficial da casa pode ser encontrado em www.casablancacuba.net. Por fim, a Casa Blanca está presente no TripAdvisor.
P.S. – Informação avulsa que sinto que preciso de transmitir, porque sendo um detalhe, é-o daqueles que ficam na memória: o único luxo a que me dei durante os dias de Cuba foi abrir o mini-frigorifico daquele quarto, e tirar de lá ou uma cerveja uma uma lata da Cola cubana. A frescura da bebida, a energia, o liquido tão necessário no corpo que passou um dia a mexer-se e a suar… que prazer.