São 4 e 30 da manhã e ponho a cabeça de fora da tenda à espreita do nascer do sol. Lá fora, as nuvens escondem aquele que seria um nascer descansado. Com persistência, o sol consegue penetrar pelo meio das nuvens e iluminarde forma clarao dia que agora começa. Olho para a ponte que me separa da Ilha de Moçambique, a 1ª capital deste grande país, e sorrio ao observar a gente que passa a ponte a pé, dirigindo-se já para os seus afazeres, enquanto eu ainda me espreguiço por cima do saco-cama. São dois mundos aqueles em que vivemos, eu e aquela gente que atravessa a pé a ponte. Apesar de durante um ano ter convivido com este povo, sinto-me sempre longe deste mundo quando observo o seu modo de vida. Mas deixemo-nos de devaneios que o que interessa é ir conhecer a Ilha, pois foi para isso que nos lançámos nesta aventura de viajar até Maputo por terra, sem recorremos ao avião.
Não sei bem como descrever aquilo que vi e senti na Ilha de Moçambique. Parece que a Ilha decidiu parar no tempo, juntamente com os seus habitantes. No entanto, todos se esqueceram de avisar o Tempo para ele também parar, e assim manter inalterável toda aquela beleza dos tempos coloniais, onde os ricos e os abastados ali colocavam todo o seu esplendor em habitações ricamente ornamentadas. Assim, o Tempo não parou, e continuou a passar por todos aqueles sítios. E os habitantes ficaram a olhar o tempo a passar, sentados nas esteiras à porta de casa, sem nada fazer para avisar o Tempo para parar. Depois veio a guerra, a independência e a outra guerra, e também passaram sem notar que a Ilha tinha decidido parar. E depois passei eu, simples viajante, e vi uma Ilha que um dia foi bonita e que hoje vive dessa beleza que um dia teve. O povo que nela habita senta-se, trabalha e vive sobre um amontoado de pedras, cimento e ferro que ali existem desde os tempos em que tudo era diferente: o branco mandava, explorava e escravizava. Hoje são os negros que mandam, se exploram e se escravizam uns aos outros.
Em cada esquina que passamos, há um pedaço de história que chama por nós, como que a pedir que nos lembrássemos do tempo em que tudo era belo e a Ilha decidiu parar. Não conseguimos, pois não vivemos lá, mas ela insiste e na próxima esquina mostra-nos mais um pouco dessa história feita de estrangeiros que um dia ali chegaram e decidiram construir um país.
Começamos o passeio pela antiga prisão, que hoje se ergue, sozinha, no meio do mar. Para ali iam todos os presos que tinham cometido alguma ofensa contra o Reino. Hoje está abandonada, isolada no meio de todo aquele mar. Se a maré está baixa, podemos atravessar a pé e espreitar um pouco mais daquele lugar. Com cuidado para não pisarmos nenhuma estrela-do-mar ou caranguejo que se atravesse à nossa frente, lá chegamos. Subimos por uma escada de ferro que apenas espera o dia em que há-de ceder à força do desgaste provocado pela água do oceano que por ela passa em todas as marés-cheias. Lá dentro, pouco mais vemos que paredes a cair, canhões em desuso e muito mato. A única utilidade do local é a sua cisterna, que se manteve intacta e serve a população, que vem abastecer-se de água da chuva que ali fica armazenada. Abandono o local com uma sensação que se vai repetir em quase todos os locais em ruínas: “Se isto fosse bem aproveitado e explorado…”.
Saímos dali e dirigimo-nos à outra ponta da Ilha para a Fortaleza de S. Sebastião, construída como baluarte daquela Ilha e posto de defesa daquela ponta de oceano. Um simpático e bem informado guia explica-nos que a construção foi ordenada por D. Sebastião, que no entanto nunca chegou a ver a sua obra concluída, em virtude de ter desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir. Apesar de ter uma aparência decrépita e estar grande parte em ruínas, mantém uma imponência impressionante, principalmente quando se sobe ao alto dos seus baluartes e se espreita o oceano pela mira de um dos canhões que por ali se encontra. As paredes brancas e o aspecto abandonado fazem lembrar uma cidade fantasma, que apenas sobrevive de histórias e mistério. No entanto, não é bem assim, pois lá funciona uma escola e uma cisterna que, à semelhança da prisão, consegue fazer um aproveitamento excelente da água das chuvas e assim servir a população da Ilha que não tem possibilidades de ter poços ou furos.
Outro dos locais a visitar é o museu, que se encontra na casa onde um dia os Reis de Portugal moraram. Na altura da independência, conta quem lá vive que Samora Machel veio ficar uma noite naquele palácio e ficou tão deslumbrado com o seu esplendor que ordenou que nunca mais ninguém lá dormisse. O palácio seria transformado em museu e assim se deveria manter. E assim se manteve, pronto a receber todos os turistas que quisessem conhecer o esplendor que um dia aquele local teve.
Temos ainda de passar pelo Hospital de Moçambique, que mostra toda a sua grandeza na fachada central que ainda mantém e toda a sua degradação nas fachadas laterais que já não são utilizadas pelos serviços que funcionam nos dias de hoje.
Arte e bom gosto
No entanto, nem tudo está desaproveitado naquele sítio. Alguns houve que, fascinados pela história e a força do local, decidiram pôr a Ilha de Moçambique a andar no tempo outra vez e devolver-lhe o esplendor que um dia já teve. São essencialmente locais onde se podem passar uma ou duas noites ou fazer mergulho, actividade muito apreciada na zona. Destaque para o Hotel Escondidinho, um local quase perfeito no sentido em que foi pensado, e o Pátio dos Quintalinhos, da autoria de um arquitecto italiano, uma mistura de arte local, modernidade e conforto europeu que não deixa ninguém indiferente, com quartos com toques de requinte e bom gosto absolutamente fabulosos. Tentativas de dar um pontapé no marasmo em que a Ilha caiu que estão a trazer pessoas novas e a fomentar o desenvolvimento do comércio e, logo, o desenvolvimento da Ilha.
No entanto, é nas ruas e nos habitantes locais que a história desta Ilha se escreve, no meio do amontoado de pedras dos edifícios em ruínas, construídos ou a serem construídos e nas esteiras que, noite após noite, recebem os corpos daqueles que olham o Tempo a passar. São histórias de sobrevivência de um povo que ficou por ali, esquecido e sem se aperceber que, apesar de a Ilha de Moçambique ter parado no tempo, o Tempo não deixou de passar sobre ela.
achei interessante partilhar o video qui encontrei sobre a ilha de Moçambique no tempo dos portugueses quando inauguraram a ponte nova em 1967. uma autentica romaria como em qualquer região do norte de Portugal, com o padre a benzer a obra, o desfile da banda dos músicos, os escuteiros, os carros alegóricos até um carro com uma casinha dos locais com o teto em palha? as rainhas do desfile, o fogo de artifício, os sinais de trânsito novos, e um grande número de carros á espera para estrear a ponte nova:
https://www.youtube.com/watch?v=pLXQ5TbNnHU
desejo as maiores felicidades ao povo de Moçambique e a salvaguarda das belezas desse país
Angela