Nos dias que correm, os segredos em viagem e os locais imperdíveis já lá vão. O mundo é globalizado, há guias de viagem detalhadíssimos, tripadvisor´s, sites que nos recomendam isto ou aquilo e, assim sendo, segredos bem guardados só os devemos ter na nossa cidade natal.
O Raj Mandir já está na internet em todos os cantos do mundo mas, mais do que ser um local para turista ver, é um local que os indianos não perdem quando passam por Jaipur. Chegar lá e encontrar a sala cheia de nativos, não é coisa rara por estas andanças. E isto faz-nos sentir únicos!
A primeira vez que ouvi falar desta sala de cinema, foi num café em Paharganj, na cidade de Delhi. Um grupo de israelitas (e há muitos por lá) comentou comigo que se havia coisa que não poderia mesmo perder, era uma sessão de cinema às nove da noite no Raj Mandir, em Jaipur. Embora não acredite muito em palpites de mochileiros que viajam mais para poupar do que para ver, aceitei a dica com um franzir de sobrolho.
A sala estava apinhada e as indicações, escritas à mão, faziam notar que os bilhetes para emerald (plateia) ou para as diamond boxes (camarotes) estavam esgotados. O burburinho que se fazia sentir na porta denunciava uma enorme confusão. Como me pareceu genuíno, teria de encontrar uma solução. Naquele dia tinha mesmo de entrar para ver aquele filme e, como estava na Índia, não me esquecia dos ensinamentos do meu amigo Jorge Vassallo: na Índia, sab kuch milega, ou seja, tudo é possível (ver tudoepossivel.org). E, na realidade, é mesmo. Assim, coloquei-me na porta a apregoar que comprava um bilhete de última hora pelo dobro do preço, ou até pelo triplo! Rapidamente o gerente chegou-se ao pé de mim e convidou-me para entrar. Pela “porta do cavalo” arranjou-me um bilhete para a plateia. A partir daqui foi tudo uma delícia.
A indústria do cinema indiana produz mais filmes e gera mais receitas que Hollywood. Os actores são elevados a deuses, definem modas e trejeitos de linguagem. Os Indian Massala Movies têm música, amor, dança e situações impossíveis. São um melodrama romântico-cómico que não nos deixa indiferentes. Um actor, não é actor por si só: tem de saber cantar, dançar, representar e até, quem sabe, ter uma capacidade sobrenatural que lhe permita mudar a cor da pele, fazer contorcionismo ou mesmo coçar os olhos com os cotovelos. Na Índia é assim, e nenhum membro desta nação fantástica duvida disto. Afinal, se Bollywood diz, é porque é verdade!
Lá dentro o espectáculo é surpreendente. Deparamo-nos com uma sala a lembrar um antigo teatro art-déco, com pormenores de néons roxos, rococós no mobiliário e uma plateia de gente curiosa que nos olha pelo canto do olho, teimando em nos fotografar com os seus telemóveis e achando que nós não notámos. Os mais corajosos arriscam um inglês indian-british para nos perguntarem sempre: “Do you like India?”. À qual, invariavelmente, respondo: “Off course!”. Eles abanam a cabeça para os lados num tique tipicamente indiano e dizem: “Very good, very good!”. Sorriem e eu sorrio também. Na sala levantam-se as cortinas (e levantam mesmo), alguns descalçam-se e o espectáculo começa com uma salva de palmas ruidosa, quando a primeira estrela entra como se estivéssemos no teatro. Daí para a frente o forrobodó continua com cantorias, piropos, assobios e gargalhadas muito ruidosas.
Quando saímos entramos numa nova dimensão: a fantasia e os sonhos ficam para trás e a realidade diária de um país de terceiro mundo encontra-nos lá fora.
Sem Comentários