Existe pelo menos um filósofo francês com a capacidade de explicar o fenómeno em maior detalhe do que eu. Gilles Lipovetsky não poupa o homem contemporâneo. A falência, que descreve em tomos distintos de consternação, tem intimamente a ver com a viagem que nos consome. A ânsia de preencher um vazio endémico com o artesanato de vidas alheias. Procuramos, sem sucesso, a deslocação para existências que não as nossas. Na mesma passada enriquecemos e minguamos. Compramos a cultura milenar no bric-a-brac de esquina desse destino, dessa cidade sempre fascinante. Recolhemos vestígios de uma falsa antiguidade e regressamos para confirmar a nossa rotina, e aproveitamos para fazer gala da excentricidade que não chegamos a tocar. A viagem física, a presença no promontório, não chega para afinar a marca de alma que dizem que se nos atravessa. Na sala de estar de um apartamento acamado nos subúrbios de metro conveniente, plantamos, na mesa de café, a prova dessa estadia. O artefacto negociado directamente na calha de um mercado, o postal iletrado de uma montagem Photoshop, a loiça-réplica de uma dinastia instantânea com sabor a Tang ou o veleiro enclausurado na vitrine de uma emergência de um Titanic avulso. Assim somos. Assimilados, mas pouco dados a equivalências.
Deixem ficar a pele escura nesse andor dos Maias. Libertamos na margem apenas esses rabiscos de língua, essa estirpe pouco românica. Somos tão civilizados para pactuar com a miscigenação temporária, como o odor a caril que inunda o quarto de dormir prontamente arejado pelo bafo de uma ventosa urbana. Sem ser um furto digno, reclamamos uma quota de algo que nunca chegará a formar a nação de idiossincrasias que confundem o conceito nativo de identidade. O dia em que trouxer uma parte do Japão ou um retalho do Egipto, será o dia em que amanhecerá um sentimento de perda, de extravio de desígnios. O nano-colonialismo da nossa colecção privada torna-se, deste modo, numa campanha exótica, no aparelho de redução a razão sem destino aparente. Como picar o ponto naquele mapa de classificações. Quantos países já visitei? Quantos faltam açambarcar para ser o justo campeão da ocupação efectiva? O troféu está sobre a mesa do café ao lado do chá que provoca delírios inconsequentes.
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