No imaginário de muitos as ilhas de Cabo Verde surgem representadas por praias de areia branca e mornas águas cristalinas, mas também por uma paisagem desértica, entrecortada por empreendimentos hoteleiros que providenciam aos visitantes generosos regimes de alojamento com tudo incluído. Em suma, um cenário perfeito para os que procuram umas clássicas férias relaxantes.
Mas se é verdade que as ilhas do Sal e da Boavista são mais ou menos isso, é preciso perceber que existe um outro Cabo Verde. Na realidade, vários outros. Porque cada uma das dez ilhas (nove habitadas) que constituem o arquipélago tem características bem diferentes. Mas para este artigo vamos falar de uma das mais remotas: Santo Antão. É das mais populosas, mas não tem grandes agregados populacionais e é uma das duas sem um aeroporto. Para se chegar a este pedaço de paraíso há que partir do Mindelo, de onde se toma o barco que atravessa, em cerca de uma hora, para a ilha mais verde do país.
Esta designação pode confundir o viajante nos primeiros instantes. É que a chegada faz-se em Porto Novo e em redor só se avistam montanhas áridas, nuas de vegetação, enfim, uma paisagem seca e agreste, dominada pelos tons de castanho. Mas esta impressão inicial logo se desvanecerá. Deixado para trás a cidade de Porto Novo, que se tornou a maior da ilha porventura devido à ligação marítima a São Vicente, o verde começará a aparecer.
Logo se cruzam lugarejos e aldeias. As primeiras a aparecer naquela imensidão de deserto, juntas à estrada que evolui entre o mar sem fim e uma ilha que se adivinha agreste. Mas quando se chega a Vila das Pombas já o espírito do viandante se terá rendido às maravilhas da paisagem. Esta é a primeira de três localidades de maior dimensão. Seguem-se Ribeira Grande e Ponta do Sol. Todas elas com uma personalidade distinta.
A Vila das Pombas, também conhecida simplesmente por Paul, marca o encontro da Ribeira do Paul com o oceano. Dali parte uma estrada que sobe, sempre paralela àquele curso de água, e que oferece um percurso essencial, atravessando pequenas aldeias onde a vida local palpita de forma genuína. Bem longe estarão os resorts do Sal e as multidões de turistas. Não é que por aqui não se encontrem estrangeiros. Santo Antão granjeou uma fama de paraíso natural, um cenário ideal para as caminhadas de montanha, e isso tem atraído um certo público, especialmente europeu.
Este será talvez o melhor local para se ficar. Apesar das extensas áreas de Santo Antão, as dificuldades no acesso e os tempos de viagem tornam o interior da ilha e a sua face oposta algo inacessíveis. Por outro lado, entre o eixo marcado pelas localidades anteriormente assinaladas o visitante não terá dificuldades em se entreter durante diversos dias. Além disso, Vila das Pombas é um local genuinamente agradável. Com as suas mercearias familiares, os cafés e restaurantes para todos os gostos (não se pense que serão muitos… uns quatro ou cinco, mas de facto para todos os tipos de clientela), o mar, imperioso, que fustiga a praia de seixos negros ao longo da qual a vila se estendeu, repetindo aquele som impressionante de milhares de calhaus que rolam entre si. É um local onde uma alma romântica se poderá imaginar a viver por uns tempos. Uma vida simples, com muitos passeios prometidos, horas intermináveis de leitura e escrita, conversas preguiçosas com gentes ali nascidas e criadas.
Mas há muito mais neste paraíso para além da sua jóia maior. Antes, existe a aldeia de Janela. Uma pequena aldeia de génese piscatória, com um par de cafés onde se bebe um grogue enquanto se observa o mar. Dali caminha-se até ao farol António Maria de Fontes Pereira de Melo, passando pela Ponta de Janela, de onde se tem uma perspectiva privilegiada da localidade.
Quanto a Ribeira Grande, pode ser uma agradável surpresa. Recebe o visitante com um tom agreste. À primeira vista pode parecer um refúgio de piratas de outro tempo, trazer à ideia misteriosas aldeias do Iémen ou de Marrocos costeiro. Mas as pessoas são generosas e amigáveis, e percorrer aquelas ruas é uma experiência preciosa. Junto ao campo da bola ergue-se um edifício mais alto com uma inesperada pintura mural. Street art, como se diz agora. E mais para o centro, a rua que seria o coração da Ribeira Grande colonial, quando era ainda a capital administrativa da ilha. Ali avista-se uma fileira de prédios com traça claramente portuguesa, de resto uma constante nos centros históricos destas vilas e aldeias.
É de Ribeira Grande que se apanha o “colectivo” para a Ponta do Sol. Estes transportes, carrinhas grandes que funcionam como táxis partilhados, ligam as localidades da ilha, pelo menos neste eixo costeiro. Encontram-se com facilidade e são muito económicos. Tornam a vida de um visitante muito fácil e como uma mais-valia ainda permitem estabelecer contactos com pessoas locais, sempre prontas para dois dedos de conversa e ajudar no que puderem.
Estranhamente a localidade mais distante é aquela que parece encontrar-se em aberta expansão. Na Ponta do Sol vamos descobrir um número relativamente elevado de pensões e hotéis e uma dinâmica que se sente: edifícios a serem renovados, outros a serem construídos. Gente. Gente que anda nas ruas. Gente local e outra de pele muito branca.
Tem um porto de pesca pleno de actividade. Ali se tenta a sorte à linha e quando o mar permite sai-se para lançar as redes. É o centro funcional da aldeia, apesar de existir um outro, que terá sido o da colónia portuguesa, onde se encontra a câmara municipal e a igreja. Na Ponta do Sol foi construído um pequeno aeroporto, encerrado pela impossibilidade de manter as operações aéreas em condições de segurança aceitáveis. Os ventos adversos negaram as pretensões da população e agora está para ali, abandonado.
Não será preciso muito tempo para explorar a povoação. Tem detalhes interessantes, muita cor, algumas casas extremamente pitorescas. Mas a população não é tão amigável como a que se espalha pelas outras partes da ilha (ou terá sido uma má impressão pessoal…?). Há alguns olhares com uma hostilidade velada, alguma fauna um pouco estranha.
Talvez uma paragem na aldeia de Mesquita, localizada entre Vila das Pombas e Ribeira Grande possa valer a pena. Ali vamos encontrar um campo de futebol dos diabos, construído sobre as falésias, rodeado de vagas furiosas onde já muitas bolas terão certamente aterrado. É uma aldeia adormecida, onde não se vê muita gente junto à estrada que constitui a sua única rua. À entrada, um pouco afastadas do casario, existem umas ruínas que serão provavelmente os vestígios mudos de uma leprosaria que em tempos ali existiu. Existe uma mercearia e uma tasca. E gente simpática, que não hesitará em convidar o viajante para beber um copo. Terminada a visita, é esperar junto à estrada. Será apenas uma questão de tempo até aparecer um transporte, para um ou outro lado.
Mas de todas as actividades que se podem desenvolver nesta ilha, serão as caminhadas de montanha que chamarão mais visitantes, e merecerão aqui uma palavra: as condições para a prática do hiking são fabulosas. Que mais se poderá desejar? Paisagens de cortar a respiração, trilhos relativamente fáceis de seguir com condições de segurança total, gentes amigáveis sempre prontas para dar uma indicação que seja necessária. É mesmo um convite para se sair de casa pela manhãzinha e se passar um dia em grande, caminhando por entre o verde de Santo Antão.
Existem imensas possibilidades. Cada guia sobre Cabo Verde apresentará uma meia dúzia de trajectos. Na loja da estação de ferries podem-se comprar mapas e livros auxiliares. E os alojamentos disponíveis para turistas costumam oferecer informação detalhada e personalizada sobre os melhores percursos. Dito isto, uma das melhores opções será a subida até à Cova, uma cratera em altitude de acesso relativamente simples, cujo caminho oferece um pouco de tudo: há segmentos em trilhos pedestres usados há muito pelas comunidades locais, perspectivas espectaculares dos cerros marcados pelo mar de plumas das canas-de-açúcar, pedaços feitos palmilhando a estrada que atravessa lugares onde se misturam casas improvisadas com antigas habitações dos colonos portugueses… e depois, lá no fim da estrada, a subida final, certamente o trecho mais exigente, que culmina na ansiada cova.
Informações Práticas
Como Ir: Não existem voos, nem internacionais nem domésticos, para Santo Antão. Chega-se à ilha através do ferry que parte do Mindelo – São Vicente, duas vezes por dia, de manhã e de tarde, com um custo de cerca de 8 Eur por trajecto. A travessia demora uma hora. Para se visitar Santo Antão deve-se começar por chegar a Cabo Verde. Existem ligações de Lisboa para diversas ilhas, sendo que o ideal serão os voos para o Mindelo, apesar de qualquer outro servir, implicando apenas um curto voo doméstico. Para encontrar os voos mais económicos para Cabo Verde pode procurar na Rumbo.pt.
Quando Ir: a ideia é ganhar um pouco de alívio do Inverno europeu. Os meses de Novembro, Dezembro ou Janeiro são ideais, oferecendo condições climatéricas tipicamente ideais por terras de Cabo Verde.
Onde Ficar: talvez o melhor seja procurar um alojamento rural nas montanhas junto ao Vale do Paul. Esta é a solução perfeita para quem gosta de caminhadas e de ar livre. Se procura algo mais tradicional e confortável, existe ampla oferta, entre pequenos hotéis e apartamentos para alugar, mas nas povoações maiores: Porto Novo, Vila das Pombas, Ribeira Grande e Ponta do Sol.
Paisagens deslumbrantes, simplesmente maravilhosas!!!