ao contrário de uma imensa maioria. existe sempre alguém que parte, assim sem mais nem menos. que se encanta com as coisas simples. que olha e vê. existe uma espécie de alquimia de poeta em todos os que partem em ritmo de caminhada. que partem em jeito de fuga, das rotinas quotidianas. que têm a coragem de ousar viajar ao encontro do mundo. invejo-os. a todos os que fazem dos seus olhos os nossos sonhos. nessa incessante busca de conhecer o outro. os outros. é uma forma de consciência. da tomada de consciência de que lado estamos neste pouco tempo em que vemos a luz do mundo.
não me revejo nessas palavras próprias com que nos brindam, como uma espécie de fado nacional. palavras como fado ou nação. não que elas tenham na sua génese culpa do mal que outros homens lhes fizeram. mas prefiro dar-lhes outro nome. outros desígnios, não propícios a símbolos recentes de obscurantismo, que quarenta anos depois dos cravos de abril, teimam em persistir no nosso quotidiano, como o ar que respiramos. esse bafio salazarento, vemo-lo todos os dias num regresso nunca adiado, em boa verdade nunca partiu.
não deixa de ser contraditório, que cada vez mais, sejam estes novos caminhantes de paisagens proibidas, porque longínquas, os nossos novos ídolos. não deixa de ser contraditório, que precisamente aqueles que assim partem em aventuras, os sigamos num ritmo frenético, ao ritmo de cada novo rosto, cada nova paisagem com que nos invadem a tela, sempre que por sinal dos tempos, rapidamente nos fazem chegar as boas novas das suas descobertas.
tirando as cores, os cheiros, os sabores, os sons. a verdade é que o mundo não é assim tão diferente. tirando a sua essência, tudo parece de uma monótona banalidade e a realidade uma enorme quantidade de imagens fúteis. tirando a sua essência, tudo parece perigosamente repetitivo. porque não estamos. contemplar sem sentir. ai está a enorme mentira com que nos habituamos a partilhar informação como se por lá estivéssemos.
é isso que os torna diferente. não aceitam ser meros espectadores. neste universo monocórdico e com ritmos próprios de sociedades doentes. e que padecem dos velhos síndromas de todos os tempos. em que os pobres são cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. nada de novo no reino da terra. ou para os que acreditam, nada de novo no reino dos céus. é uma luta ao seu ritmo. solitária, é certo. palmilhando pé ante pé, os diferentes tectos do mundo. palmilhando pé ante pé, os percursos de todos os homens bons que por ai existem. palmilhando pé ante pé, na busca incessante de levar a todos os olhos, os sonhos de cada um.
como todos os viajantes, serão para sempre eternos contadores de estórias. que contam e recontam com a nostalgia própria de quem é incapaz de ser de outra maneira. com a nostalgia própria de quem se descobre a si, em cada momento contra as injustiças deste mundo em que quis o destino, seja lá o que isso seja, tivessem realidade concreta. em cada momento que partem, percebem toda as contradições. percebem como tudo isto é injusto, como não podem levar de cada terra, de cada objecto trocado, de cada sorriso, de cada abraço apertado em momentos de despedida, como é injusto, não trazer fisicamente todos os que os tornam diferentes e lhes enchem os olhos de lágrimas de alegria, da descoberta das cores, dos cheiros, dos sabores, dos sons, de todos e de cada um.
para um viajante não há princípio nem fim. há apenas o meio. de ousar. de tomar consciência de que lado estamos neste pouco tempo em que vemos a luz do mundo. é por isso que eles partem e nós não. é por isso que a cada regresso trazem sempre nos seus olhos os nossos sonhos. até ao dia em que como eles tenhamos a coragem de ousar viajar ao encontro do mundo.
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