A caminho de um encontro com a tribo seminómada dos Sian, vivi uma das experiências mais intensas e memoráveis de toda a minha existência. Antes de partir da pequena e sonolenta vila de Belaga – localizada no estado de Sarawak, em pleno Bornéu – um guia local rabiscou-me um papel com o nome de alguns elementos da tribo e palavras básicas de comunicação: comer / makan, beber / minum, dormir / malam, andar / jalan. Posteriormente, explicou-me de forma simplificada, o caminho para chegar ao local onde a tribo habitava e que ficava apenas a duas horas de distância, já no interior da selva. Carregado com uma pequena mochila ao peito e com um desconfortável cesto de verga às costas, onde transportava oferendas de cortesia – uma saca de 10 kg de arroz, 2 kg de açúcar, uma embalagem de café, uma galinha congelada e uma garrafa de vinho de arroz – apanhei um barquito para cruzar o rio Rajang e parti rumo à outra margem e ao trilho que me conduziria a uma nova experiência.
Assim que comecei a andar, percebi que tinha de seguir com bastante cuidado, uma vez que o pavimento – um misto de betão, pedras, vegetação e musgo – era extremamente escorregadio, ainda para mais carregado como estava. Pé ante pé lá fui avançando e quando cheguei a um pequeno riacho que me pareceu possível de atravessar, segui nessa direção – ainda na vila de Belaga, quando o guia descreveu o trilho, falou-me da existência de um pequeno rio que deveria ser cruzado – porém, antes de continuar e instintivamente decidi olhar para a bússola. Assim que atravessei aquele leito praticamente seco, comecei a subir por um caminho enlameado e que me parecia marcado, até porque de vez em quando encontrava lixo no solo. Trilho abaixo, trilho acima fui penetrando na selva, começando a suar abundantemente fruto da elevadíssima humidade e do esforço físico associado a caminhar num terreno tão acidentado. Numa passagem mais enlameada escorreguei e vi a minha garrafa de água rolar vinte metros colina abaixo, ficando numa zona coberta de vegetação. Nesse momento pensei que ir buscá-la não valia o esforço e segui. Dez minutos volvidos, cheguei a uma zona onde o trilho desapareceu, percebendo apenas nesse momento que tinha de voltar para trás e que me tinha enganado no caminho. Quando recomecei a caminhar, bastou dar dois passos para ficar desorientado – pois não existiam quaisquer pontos de referência – e imediatamente senti que estava perdido no meio daquela imensidão verde escura. Estava no meio da selva, carregado e sem água!
Instantaneamente o meu cérebro começou a carburar a todo o gás e os pensamentos foram: ”Vais morrer aqui! Estúpido! Por que é que não voltaste atrás para ir buscar a garrafa de água!? Se não tinhas a certeza relativamente ao caminho, porque seguiste em frente!? Vais morrer aqui! Ninguém te virá procurar! Ninguém sabe que estás aqui! Não te vão encontrar! Vais morrer aqui!” À medida que aquele choque de adrenalina tremendo suavizou, o meu lado racional tentou que eu mantivesse a calma e o controlo. Respirei fundo um par de vezes, à medida que pensava: “Calma, calma. Respira. Calma”. Num minuto, estava com a bússola na mão, começando a andar na direção contrária à qual tinha vindo. Selva adentro, monte abaixo, monte acima fui desbravando terreno. A vegetação era cerradíssima e muitas vezes agressiva e o ar sufocante. Suava. Suava em bica a cada passo, a cada metro que avançava e seguia, pensando: “Tens de chegar ao rio, tens de chegar ao rio”. Passados mais ou menos quarenta e cinco minutos cheguei ao topo de uma colina mais elevada, mas mesmo daí não consegui avistar nada que me orientasse! A vegetação parecia uma densa cortina e continuei a caminhar, a suar em bica até que voltei a encontrar o riacho. Nesse momento, fiquei extremamente FELIZ, uma vez que tinha acabado de confirmar que estava no caminho certo, apenas não conseguia perceber se estava a sul ou a norte do ponto onde atravessara. Decidi continuar a andar em linha reta até chegar à margem do grande Rajang.
Claro que pensar era fácil, executar bem mais complicado ainda para mais num terreno tão acidentado, cheio de “alçapões e ratoeiras”, plantas espinhosas, uma densidade de vegetação que se assemelhava a uma muralha, árvores, galhos e ramos podres que cediam facilmente e que não ofereciam pontos de apoio seguros, desníveis de terreno que surgiam sem aviso prévio, enfim… fisicamente, mentalmente e emocionalmente desgastante… extenuante. Passados mais alguns minutos, comecei a ouvir o barulho de motores! Aleluia! Estava quase a chegar, porém ainda me faltava descer uma colina muito íngreme, coberta de vegetação espinhosa. A cada passo e cada vez que um espinho se cravava na minha carne, gritava: ”Porque é que me magoas!? Porquê?” e depois lá reconsiderava e pensava que não era a selva que me magoava, eu é que me estava a magoar!
Quando finalmente cheguei à margem do rio, respirei de alívio. Estava salvo! Nessa altura confirmei que estava aproximadamente a duzentos metros a norte do local onde tinha sido largado previamente pelo barqueiro. Comecei então a gritar e a agitar os braços, para a margem de Belaga: “Help! Help! Help!” Passados alguns minutos houve umas crianças que me viram e avisaram alguém. Vi então um barco a largar o cais, navegando na minha direção! Quando entrei a bordo, senti-me um farrapo emocional e quando me sentei, soltei três lágrimas de emoção! O meu “salvador” perguntou-me se queria regressar à vila, mas acenei que não com a cabeça e pedi-lhe para me deixar no local onde iniciara a epopeia. Já no início do trilho, agradeci profundamente ao barqueiro, despedi-me com uma vénia e recomecei a caminhar.
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