Quando decidi visitar a Índia, achei que Varanasi seria um destino a não perder. Até cheguei a comentar com amigos que ir à Índia e não visitar Varanasi, era como ir a Roma e não ver o Papa. Se era para ir à Índia, teria obrigatoriamente de passar por Varanasi, a cidade santa banhada pelo Ganges – o rio mais sagrado para os hindus. Não podia perder!
E decididamente Varanasi mostra-nos tudo o que é aquele país. Índia significa confusão, calor, cheiros e sabores; Índia é sujidade, terra de vacas que andam por todo o lado, mas também de sorrisos, mística, cultura, devoção e religião; Índia é lugar de reencontro e espiritualidade. Varanasi tem tudo isto e mais uma série de coisas que, apesar de não conseguir descrever, serão bem compreendidas por quem já lá passou. Talvez a atmosfera que envolve a cidade dos ghats seja afinal um qualquer truque de magia que não sei explicar.
Resultado desta espécie de imprevisibilidade, é uma história curiosa passada num dos muitos ghats que acompanham vários quilómetros de rio, onde todos os dias ao nascer e pôr-do-sol de faz a Pujah – ritual da purificação. Numa nas manhãs, logo pelo amanhecer, decidi aproveitar os primeiros raios de sol para fotografar e deparei-me com uma situação que não resisti fotografar: um holy man a fazer a sua Pujah. Estava sozinho, numa zona pouco movimentada dos ghats e sem dar aparente importância a quem passava. Depois de fotografar fiquei com a sensação em não se tratar de um verdadeiro holy man, mas antes um dos muitos oportunistas que querem cobrar algumas rupias aos turistas que os fotografam. Desconfiada, acabei por me instalar por ali a contemplar o nascer do dia, a observar o Ganges e a vida das pessoas logo pela manhã, mas sempre com um olho no ritual de purificação daquela personagem. Passaram apenas breves minutos até o homem se ter metido comigo, já quando secava o corpo e cantarolava uns cânticos meio indecifráveis. Perguntou:
– Where are you from?
– From Portugal, respondi.
– Vasco da Gama, disse ele muito empolgado.
Perante tal resposta confesso que até eu senti algum empolgamento, não pela situação em si, mas por ter sido a primeira vez em que não foi pronunciado o nome do Cristiano Ronaldo, Mourinho e todos os outros do costume. Apesar da surpresa na resposta, mantive-me no meu canto, observando sempre a mestria com que o individuo enrolava um pano laranja à cintura, penteava a longa barba e cabelos, ou arrumava meticulosamente o estojo da higiene. Num impulso perguntei-lhe:
– Are you a holy man?
Ao que ele respondeu, tudo num inglês cheio de british accent.
– I am a happy man!
Por entre alguns sorrisos, a conversa acabou por prosseguir, mas quase sempre com perguntas e respostas meio banais, até que a dada altura o homem acabou por contar um pouco da sua vida. Segundo o seu relato, vinha de uma família abastada de Mumbai, onde tinha passado boa parte do tempo em clubes ingleses, nas apostas com corridas de cavalos e a beber muito gin. Tinha tido uma vida boémia onde tinham sido comedidos muitos excessos. Mas no dia 12 de Março de 1962, quando tinha 30 anos, decidiu que aquela não era a vida que queria e deixou tudo para trás. Viajou 5 anos pelo país e quando chegou a Varanasi sentiu algo de diferente que o fez ficar até hoje. Continuou e disse-me:
– In Portugal you had your liberty in 1974, isn’t it Madame? My own was on 12th of March 1962!
Perguntei-lhe como sabia tanta coisa, nomeadamente sobre a história recente de Portugal?
– I read Madame, I read…
Para satisfazer alguma da minha curiosidade, perguntei-lhe ainda porque não se importou que tivesse feito tantas fotografias, tão perto e importunado a sua privacidade? Porque não tinha pedido que parasse?
– Madame, if that it’s what makes you happy, you should do it! You are not doing me any harm…
A resposta desarmou-me! Sorri e ele respondeu com um sorriso de volta. E quando já tinha tudo arrumado e estava preparado para partir, disse-me ainda:
– Madame, don’t let the world be stronger then your soul. Be happy!
A frase daquele happy man mexeu comigo durante o resto do dia. Para mim Varanasi é isto! Varanasi faz reflectir, pensar e viver. Varanasi tem qualquer coisa que eu não sei explicar!
Olá.
Andei em algumas cidades da Índia, nenhuma com a magia de Varanasi. Também junto ao Ganges um jovem olhou para nós percebendo que estávamos preocupados a ver se ainda tínhamos rupias, se tínhamos ir trocar, etc (as nossas preocupações que nos custam largar) e nos diz simplesmente:
– Don’t worry, money comes money goes..enjoy!
A sua história remeteu-me novamente a este momento.
Boas viagens
O senhor disse tudo; não é preciso luxo para ter uma vida feliz. Obrigado por este post 🙂
Obrigada